domingo, junho 07, 2009




AFINIDADE


Arthur da Távola



A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,delicado e penetrante dos sentimentos.



O mais independente.



Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,as distâncias, as impossibilidades.



Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.



Afinidade é não haver tempo mediando a vida.



É uma vitória do adivinhado sobre o real.



Do subjetivo sobre o objetivo.



Do permanente sobre o passageiro.



Do básico sobre o superficial.



Ter afinidade é muito raro.



Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.



Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depoisque as pessoas deixaram de estar juntas.



O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simplese claro diante de alguém com quem você tem afinidade.



Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.



É ficar conversando sem trocar palavra.



É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.



Afinidade é sentir com.



Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.



Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.



Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.



Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.



É olhar e perceber.



É mais calar do que falar.



Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.



Afinidade é jamais sentir por.



Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.



Compreende sem ocupar o lugar do outro.



Aceita para poder questionar.



Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.



Só entra em relação rica e saudável com o outro,quem aceita para poder questionar.



Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.



E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.Isso é afinidade.



Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceitao outro como ele é.



Por isso, aliás, questiona.



Questionamento de afins, eis a (in)fluência.Questionamento de não afins, eis a guerra.



A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.Independente dele.



A quilômetros de distância.Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.



Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.



Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,veremos ou falaremos.



Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintonias com pessoas distantes,com amigos a quem não vemos, com amores latentes,com irmãos do não vivido?



A afinidade é singular, discreta e independente,porque não precisa do tempo para existir.



Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relaçãoexatamente do ponto em que parou.



Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidasnem pelas pessoas que as tem.



Por prescindir do tempo e ser a ele superior,a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidadesancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.



Sensível é a afinidade.É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.



Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.



Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguirrestituir o clima afetivo de antes,é alguém com quem a afinidade foi temporária.



E afinidade real não é temporária. É supratemporal.



Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.



A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.



A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,plantios de resultado diverso.



Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,quantos das impossibilidades vividas.



Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,sem lamentar o tempo da separação.Porque tempo e separação nunca existiram.Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,para que a maturação comum pudesse se dar.



E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,a expressão do outro sob a forma ampliada erefletida do eu individual aprimorado.



Disponível em :< Acesso">http://www.pensador.info/p/aniversariar_de_arthur_da_tavola/1/>.Acesso 07 JUN 2009.