Auto-Amor
Ermance Dufaux
“Se o Espiritismo, conforme foi anunciado, tem que determinar a transformação da Humanidade, claro é que esse efeito ele só poderá produzir melhorando as massas, o que se verificará gradualmente, pouco a pouco, em conseqüência do aperfeiçoamento dos indivíduos.” O Livro dos Médiuns — capítulo 29 — ítem 350
“Ser” - verbo que traduz o anseio evolutivo de existir em plenitude, feliz, dirigindo-se para Deus.
“Ser” - verbo que traduz o anseio evolutivo de existir em plenitude, feliz, dirigindo-se para Deus.
Escolhas malsucedidas, no entanto, afastaram-nos desse finalismo Divino, aprisionando-nos nos charcos asfixiantes da prova, da dor e do hábito infeliz.
O voluntário esquecimento de nossos deveres no peregrinar das reencarnações trouxe-nos de volta, na atual vivência carnal, o fruto amargo das semeaduras infelizes que plantamos sob a volúpia das ilusões.
Hoje, graças a esse descuido milenar, existe um abismo de sombras entre o “eu Divino” e a nossa realidade existencial, onde se acomodam os monstros do orgulho e do egoísmo.
Apesar da condição desditosa, a inesgotável Providência Divina estende-nos um aluvião de recursos de amparo em favor de nosso reerguimento, perante a própria consciência. O encontro com as diretrizes espíritas é um exemplo disso. Agora, iluminados pelos princípios estruturais do Espiritismo, somos novas criaturas em busca do Pai que “abandonamos”.
Sentir Deus! Eis o fundamento da transformação interior.
Renovar a forma de sentir é a senda libertadora em favor da auto-recuperação espiritual.
Conquanto as luzes que clareiam os raciocínios, ainda sentimos o peso coercitivo dos resultados da insanidade moral nas impérvias sentenças que lavramos contra nós no dobar do tempo. Os propósitos superiores de agora parecem ser esmagados ante a força cruel do passado ignominioso e voraz que reside nos porões da mente.
Desejos fugazes do bem consomem-se sob a mira certeira de sentimentos que não gostaríamos de sentir.
Desejamos amar a família, mas, muita vez, sentimo-nos manietados a estranhas fantasias que nos inclinam para a ilusão dos sentidos fora do lar.
Desejamos compromisso e louvor ao serviço doutrinário, todavia, em várias ocasiões, sentimo-nos vazios de idealismo, tombando nas armadilhas do desânimo e da deserção ou enredados na rotina de realizar por obrigação, sem gratificações de profundidade.
Desejamos a conduta moral elegante, contudo, muitas vezes, “vozes interiores” vaticinam culpas e limitações, levando-nos a acreditar em muralhas de imperfeições que jamais conseguiremos transpor.
Desejos louváveis não se harmonizam com os velhos sentimentos de cada dia. Expiação maior não pode existir, para o aprendiz sincero do Evangelho, qual a de ter os novéis e frágeis propósitos agredidos pelos libelos que a própria consciência inflige em razão de nosso ontem.
O bem que desejamos nem sempre conseguimos viver e manter, menos ainda senti-lo. Porém, tenhamos vigilância e fé. Essa é a trajetória “natural” de regresso ao encontro do ser.
Existir para Deus, em nosso caso, implica vencer todas essas “expiações do sentir”, palmilhando as veredas reeducativas da atitude em favor do renascimento do ser glorioso e magnânimo ergastulado sob a canga de nossas mazelas.
Jamais desistamos desse compromisso, pois que, inexoravelmente, esse “reencontro” se dará em algum momento, já que é um fatalismo das Leis Naturais e Universais.
A melhor opção nessa retomada espiritual é o amor na busca das expressões celestes adormecidas em nós. Referimos ao amor a si mesmo, contemplado por Jesus na essência de sua plataforma para a felicidade.
Nós, os espíritas, temos feito progressos consideráveis no que tange ao amor ao próximo, erguendo trincheiras do bem e da caridade. Temos produzido e realizado fartas semeaduras de bênçãos junto aos grupos de amor. Raras vezes, entretanto, temos sabido amar a nós próprios.
E existirá Amor maior a si que esse de saber lidar com essas sombras interiores que tentam empanar nossos anseios de Luz?
Aprendamos esse amor e sejamos mais felizes.
Amar nossa “sombra’, conquistando-a paulatinamente.
Tolerar nosso passado, sem as impiedosas recriminações.
Amar-nos, apesar do nosso passado de escolhas infelizes e decisões precipitadas, é fundamental para encetarmos um recomeço de vida espiritual rumo à liberdade.
Aprender o auto-amor é arar a terra mental para “ser”. Quando o lograrmos, recuperaremos a serenidade, o estado de gratificação com a vida, a compreensão de nós mesmos, porque o sentimento será então um espelho translúcido das potencialidades excelsas depositadas em cada um de nós pela “inteligência suprema do universo”.
Formou-se entre nós uma lamentável “cultura de sofrimento” fundamentada na Lei de Causa e Efeito, propalando a dor como situação insubstituível ao progresso. Acentua-se tal teoria com a supervalorização de fantasias sobre um passado de outras vidas no qual são destacados crimes e desvarios. As conseqüências de tal enfoque podem ser sentidas no quadro de baixa auto-estima e desacordo consigo mesmo em que se encontra grande parte do discipulado espírita.
Alimentando crenças de desmerecimento e menosprezo mais não fazemos que desamarmo-nos e impedir o crescimento pessoal e grupal.
O pior efeito de semelhante quadro psicológico é acreditar que não merecemos ser felizes, automatizando um sistema mental de cobranças intermináveis e uma autoflagelação, ambas, em várias ocasiões, sustentadas e induzidas por adversários espirituais astutos e vampiros da morbidez das sensações, gerando situações neuróticas de perfeccionismo e puritanismo quase incontroláveis.
Esse autodesamor é um subproduto do atávico religiosismo que edificamos no psiquismo, em séculos de superficialidade moral, cuja imagem condicionada na vida mental foi a de um ser pecador e miserável, indigno daquele paraíso onde esperávamos refestelar-nos com as vantagens dos céus. Ainda sob a forma de potente condicionamento, transpomos para as ambiências espiritistas tais reminiscências do “eu pecador”.
Allan Kardec assinala que o “aperfeiçoamento individual” é o fermento das transformações sociais, e isso exige cuidados pessoais dos quais, alguns deles, só dispensaremos ao outro na medida em que os aplicarmos a nós, sem que isso, em momento algum, signifique vaidade e preocupação personalista.
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Coração querido,
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Coração querido,
Piedade e complacência contigo mesmo.
Estais em lutas acerbas a ponto de desistir? Persevera e luta.
Busca na prece o que te falta: a força para continuar.
Caridade contigo é o desafio do auto-amor.
Sentes no imo da alma uma amargura incomensurável ante as faltas e deslizes a que descuidadamente te permitiste. Um sentimento avassalante de indignidade toma-te a alma, quando fazes o que não deverias ou deixas de fazer o quanto deverias. Conquanto as lutas, cuida para que essas sombras não empanem o brilho de Deus em ti, e confia na bondade do Pai que te confiará o necessário para a caminhada.
Vigia teu mundo emotivo. Ninguém é indigno de Deus, em situação alguma, ainda mais agora que já te encontras com rumo e norte para recomeçar.
Perdoa-te quantas vezes forem precisas e retoma teu programa de luz.
Sentir-se indigno da Bondade Paternal é sintoma de melhora e sinceridade de tua parte. Pior seria se errasses novamente e acolhesses com inconsciência a tua escorregadela infeliz.
Ainda te ocorrerá inúmeras vezes esse incômodo que, por fim, é o “anjo vigilante” de tua consciência advertindo-te com esse mal-estar para que não sucumbas outra vez na mesma furna de invigilância.
Aceita-te tal qual és e prossiga.
Não asiles em ti o sentimento de hipocrisia induzido pela hipnose do orgulho, que tentará de todas as formas fazer-te desacreditar das escolhas ainda vacilantes e pouco sólidas na tua nova caminhada. Hipocrisia existe quando o desejo e a atitude são precedidos pela intenção deliberada, em contraposição ao que já conheces.
Logo mais, respeitando as investidas de tuas sombras, a quem deves também amar, perceberás a transformação e animar-te-á pelo esforço e sacrifício empenhados.
Desistir, nunca!
A auto-recuperação é um leito de convalescença na enfermaria da vida, exigindo teus cuidados sem interrupção.
Um dia, o curativo da oração. Outro, a injeção do ânimo. Em outro mais, a medicação amarga do enfrentamento de tuas doenças. Ainda à frente, a imperiosa necessidade do esculápio na pessoa de um amigo para orientar-te.
Terás recaídas, febres de ilusão, dores do desapego, cansaço de ansiar pela melhora, incômodos na cama das provações diárias, dificuldades para com necessidades básicas, o sono indisciplinado trazendo fadiga, o alimento que não desejarias causando-te a fome de esperanças, o banho limitado impedindo-te a sensação de leveza e bem-estar.
Apesar disso o tratamento está se concretizando, ainda que não percebas.
Por isso tenha paciência contigo, e não pare de amar-se.
Por isso tenha paciência contigo, e não pare de amar-se.
O amor a si mesmo é uma lição profunda e difícil, porém, não impossível.
Comece já teu ministério de auto-amor e constatarás que esse aprendizado é a condição essencial na existência para o tão decantado amor ao próximo.
Convivendo bem contigo, serás bom companheiro e amigo de teus grupos espirituais, fazendo-te mais útil nas mãos da vida, para o cumprimento da Lei da felicidade na melhoria social, em torno dos teus e dos passos alheios.
OLIVEIRA, Wanderley Soares . Pelo Espírito Ermance Dufaux . Laços de Afeto