Transpondo o Abismo
Richard Simonetti
Blasie Pascal (1623-1662), foi genial matemático, físico,
filósofo e escritor francês.
Convertido ao
Cristianismo, quis escrever uma apologia
de sua crença.
A morte o levou antes
que pudesse conclui-la.
Mesmo incompleta, foi
publicada.
Sob singelo título –
Pensamentos –, temos um repositório de
sabedoria.
Dono de um estilo
sintético e elegante, o filósofo francês
produziu autênticas
pérolas literárias.
Uma delas, talvez a
mais famosa, destaca a essência de suas idéias:
O coração tem razões
que a própria razão desconhece.
Sua concepção
filosófica estava norteada pelo confronto entre esses dois elementos básicos da
personalidade humana:
A razão, simbolizada
pelo cérebro, que tende a privilegiar o palpável.
O sentimento,
representado pelo coração, que busca o
inefável.
Crente fervoroso, convicto da continuidade da vida, além
túmulo, afirmava:
De tal forma a imortalidade da alma nos diz respeito e
toca-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido todo sentimento para
considerar esse problema com indiferença.
Somos Espíritos, seres do Além.
A existência física é apenas um estágio, uma experiência
compulsória nesta escola correcional que é a Terra.
Passamos muito mais tempo na pátria espiritual.
É natural, portanto, que tenhamos o sentimento da
imortalidade.
Intuitivamente, sabemos que a vida continua.
Não morremos. Apenas nos transferimos para o além.
Como dizia Guimarães Rosa (1908-1967): ficamos encantados.
O materialista é alguém que, intoxicado por esdrúxulas concepções,
perde a sensibilidade para os valores espirituais e passa a negar a própria
imortalidade, como hipotético bebê pensante que se recusasse a crer em vida fora
do útero materno.
Não obstante, Pascal também tinha dúvidas.
Segundo uma lenda, via constantemente ao seu lado um abismo,
símbolo da angústia causada por problemas de difícil solução, como,por exemplo, a
salvação.
Ligou-se inicialmente ao janseanismo, que a atribui a uma
escolha divina – Deus teria seus eleitos.
Pascal sentia-se incomodado.
Essa concepção perpetra flagrante injustiça;uma arbitrariedade
que ficaria bem aos soberanos despóticos da Terra, jamais ao Governador do
Universo.
E a diversidade das condições humanas?
Como explicar o bom e o mau, o rico e o pobre,o virtuoso e o
vicioso, culto e o ignorante, o gênio e o idiota?
Como aceitar que alguns sigam, tranqüilos, caminhos retos,
enquanto outros se transviam facilmente,como se estivessem programados para o
desatino?
Ainda aqui, uma escolha divina?
Deus tem preferência por alguns?
A outros pretere, negando-lhes condições mínimas para uma
existência compatível com a dignidade humana?
Intelectual brilhante, Pascal não digeriaessas
incongruências.
Há, realmente, um abismo, uma imensa perplexidade,quando
confrontamos a decantada justiça do Céu com as injustiças da Terra.
Dois séculos mais tarde, em face de seus méritos,Pascal
teria a honra de colaborar na codificação da Doutrina Espírita.
Mensagens suas foram publicadas em O Livro dos Médiuns, O
Evangelho Segundo o Espiritismo e
Revista Espírita.
Transposto outro abismo, aquele que separa a Terra do Além,
Pascal revela ter superado inteiramente suas dúvidas, consciente de que Deus
não tem preferências nem “preterências”– somos todos seus filhos.
Sob suas bênçãos, estamos todos a caminho da perfeição!
Seremos um dia prepostos do Senhor, desfrutando da suprema
felicidade de uma plena integração nos ritmos da harmonia universal!
E tanto mais depressa chegaremos lá,realizando os mais
gloriosos sonhos de felicidade e paz, quanto maior o nosso empenho em superar o
grande entrave de nossa evolução, no estágio em que nos encontramos:O egoísmo.
Esse sentimento desastroso, que nos leva a cuidar do próprio
bem-estare “o resto que se dane”, gera e sustenta quase todos os males humanos.
É o que ele nos diz na mensagem publicada em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, capítulo XI, onde acentua:
O egoísmo é a negação da caridade.
Ora, sem a caridade não haverá descanso para a sociedade
humana.
Digo mais: não haverá segurança.
Com o egoísmo e o orgulho, que andam de mãos dadas,a vida
será sempre uma carreira em que vencerá o mais esperto, uma luta de interesses,
em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem sequer os
sagrados laços da família merecerão respeito.
Já durante a existência física Pascal tinha percepção desse
problema fundamental da Humanidade,tanto que afirma, taxativamente, em Pensamentos:
O eu é odioso.
SIMONETTI, Richard . Luzes
no Caminho.
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