segunda-feira, junho 02, 2014

Parábola dos Potes de Barro - Alexandre Rangel





Parábola dos Potes de Barro


Havia dois grandes e belos potes de barro que conversavam entre si no canto de um quintal:


- Ah..., que tédio, que vida! 


Viver aqui, exposto a tudo, sol, vento, chuva, calor...


Por mais que eu me proteja, como sobreviverei?  


Aqui estou perfeitamente tampado, lacrado para proteger-me e ainda assim sinto-me ameaçado, vazio.


Não vejo graça em estar aqui...


O outro pote tranquilamente respondeu:


- Cai a chuva e eu a recebo. 


Vem o vento e eu o sinto bem dentro de mim. 


Vem o sol e me leva as gotas que retornam para o céu. 


E nem por isso sinto-me ameaçado...


- Ora, grande vantagem! 

Seu interior não guarda mais a cor original como o meu, sua cor vai ficando cada dia mais diferente. 


Você não é mais o mesmo...


- Sim (respondeu o outro) e isso me alegra! 


Meu interior transforma-se a cada dia, à medida que novas coisas me penetram. 


Posso sentir cada criatura que me visita e cada uma delas deixa algo de si para mim, assim como deixo para elas, pouco a pouco, a minha cor.


- É, mas você não tem mais paz! 


A todo instante você é solicitado, carregam você todo o dia para levar água, ao passo que eu permaneço no meu lugar.


Ninguém me incomoda. 


Quando se aproximam, já sei que é a você que eles querem.


- Sim, se me solicitam é porque tenho algo a dar, e o que dôo não é diferente do que você pode dar. 


Deixo-me encher pela água da chuva, que cai tanto sobre mim como sobre você. 


Encho-me até transbordar. 


Outros seres precisam desta água e eu os sirvo. 


Esvazio-me e deixo-me encher de novo.



Assim minha vida é um constante dar e receber. 


Enquanto isso me desinstalo, saio do meu pequeno mundo e vou ao encontro de outros mundos. 


Já conheci potes diversos, animais, pessoas, tantas coisas e seres... 


E cada um faz-me perceber ainda mais o pote que sou.


- Não sei, mas se você continuar assim, brevemente será um pote quebrado, gasto, e então, de que adiantará tudo isto?


- Creio que se me desgasto a cada dia é para ser possível levar a vida a outros seres. 


Vejo que o mais importante não é ser um pote intacto tal como fui feito, mas um pote de valor no qual estou me tornando. 


Se vou durar pouco tempo, não importa; 


se o pouco tempo  em que eu viver me trouxer alegrias e me fizer sentir cada vez mais o que é ser pote, isso me basta...


Já era tarde, o sol já havia se escondido quando os dois se cansaram de falar. 


O pote aberto, sentindo-se cansado, logo adormeceu, o que não foi possível para o outro pote. 


Ele não conseguira dormir, pois algumas palavras ditas pelo companheiro vinham-lhe à mente e não o deixavam em paz.


Transformar o interior! 


Paz! 


Esvaziar-se! 


Deixar-se encher! 


Deixar algo de si! 


Ser pote! 


Desinstalar-se! 


Sair de seu pequeno mundo! 


Ser feliz! 


Ser útil! 


Levar alegria! 


Humildade! 


Paciência! 


Mansidão!


* * *


Na manhã seguinte, enquanto um pote acordava, o outro dormia, porque fora grande o seu esforço para tirar a tampa que o acompanhava há tanto tempo.        





RANGEL, Alexandre. Do Livro “As mais belas Parábolas de todos os tempos”.

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