sexta-feira, maio 01, 2015

O Trabalho - Gibran Khalil Gibran



Tela de Tarsila do Amaral - O Pescador



O Trabalho

Gibran Khalil Gibran



Então, um lavrador disse: “Fala-nos do trabalho.”


E ele respondeu, dizendo:


“Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra, e da alma da terra.


Pois ser indolente é tornar-se estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.


Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.


Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?


Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição, e o labor, uma desgraça.


Mas eu vos digo que, quando trabalhais, realizais parte do sonho mais longínquo da terra, desempenhando assim uma misão que vos foi designada quando esse sonho nasceu.


E, apegando-vos ao trabalho, estareis na verdade amando a vida. 


E quem ama a vida através do trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.


Mas se, em vossas dores, chamardes o nascimento uma aflição e a necessidade de suportar a carne, uma maldição inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor de vossa fronte lavará esse estigma.


Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.


E eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.


E todo impulso é cego, exceto quando há saber.


E todo saber é vão, exceto quando há trabalho;


E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.


E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios, e uns aos outros, e a Deus.


E que é trabalhar com amor?


É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado fosse usar esse tecido.


É construir uma casa com afeição, como se vosso bem-amado fosse habitar essa casa.


É semear as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem amado


fosse comer-lhe os frutos.


É pôr em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma, e saber que todos os abençoados mortos vos rodeiam e vos observam.


Muitas vezes ouvi-vos dizer como se estivésseis falando no sono: 


‘Aquele que trabalha no mármore e encontra na pedra a forma de sua alma é mais nobre do que aquele que lavra a terra.


E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela sob formas humanas é superior àquele que confecciona sandálias para nossos pés.’


Porém, eu vos digo, não no sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com maios doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das hastes da relva; e grande ´somente aquele que transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pela sua própria ternura.


O trabalho é o amor feito visível.


E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.


Pois se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente a metade da fome do homem.


E se espremerdes a uva de má vontade, vossa má vontade destilará no vinho seu veneno.


E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia e às vozes da noite.”





GIBRAN, Khalil Gibran . O profeta. Sobre o trabalho, p. 18-20.

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