Em Homenagem ao Dia de Francisco
De Assis, estamos publicando a carta de Joanna de Ângelis:
Pai Francisco!
Abençoai-nos!
Evocando aquela tarde de 4 de
outubro de 1261, com céu transparente e azulado, há setecentos e oitenta e
quatro anos, três meses e um dia, quando vos preparáveis para o retorno ao
Grande Lar, murmurastes para os poucos irmãos que vos cuidavam:
- Fiz o que me cabia.
E após suave pausa, entrecortada pela respiração débil, concluístes:
- Que Cristo vos ensine o que vos cabe.
- Fiz o que me cabia.
E após suave pausa, entrecortada pela respiração débil, concluístes:
- Que Cristo vos ensine o que vos cabe.
As Irmãs cotovias, algumas das
quais vos ouviram cantar a Palavra um dia no passado, fizeram-se presentes com
outras, alegres com a vossa libertação, voando em círculos sobre a choupana
modesta em que vos encontráveis na amada Porciúncula.
Encerrava-se naquele momento uma
parte da saga incomparável do vosso testemunho de amor ao Amigo crucificado,
crucificado que também estáveis...
Toda uma epopeia de sacrifícios e
abnegação ficaria inscrita nas páginas da História, demonstrando quanto se pode
fazer e viver sob a inspiração do amor de totalidade.
Quando, na igrejinha de São
Damião, atendestes ao convite que Jesus vos fez, nem sequer tínheis ideia do
que vos iria acontecer, mas assim mesmo seguistes adiante...
Naquele período o tédio vos
dominava e os prazeres do mundo, filhos da fortuna assim como das honras da
cavalaria que antes vos fascinavam, cederam lugar ao fastio, a um vazio
existencial, no qual a angústia se alojava, estiolando-vos os sentimentos.
Só depois compreendestes o que
Ele desejava e, dando-vos conta do seu significado, renunciastes aos bens do
mundo e aos vínculos com a família biológica, a fim de renascerdes das próprias
cinzas e abraçardes a Humanidade como vossa irmã.
Desnudando-vos em plena praça,
renunciastes a tudo, iniciando a trajetória pela via dolorosa, cantando os dons
da pobreza e a fortuna da humildade.
Aqueles que vos conheceram
anteriormente, quando jovial e extravagante, não puderam acreditar na grande
revolução interna e pensaram tratar-se de alguma nova excentricidade...
Diante, porém, dos fatos
grandiosos resultantes da vossa transformação, diversos deles foram buscar-vos
para que lhes ensinásseis a técnica luminosa da entrega total a Jesus.
...E porque nada tínheis, vós e
eles buscastes refúgio entre os leprosos que se escondiam nos escombros em Rio
Torto, que se transformaram no suntuoso lar de vossas residências.
Não faltaram aqueles
contemporâneos que vos definiram como um bando de vagabundos e desorganizados,
porque eles se encontravam asfixiados pelos gazes das utopias e falácias do
corpo transitório, embora os vossos feitos em favor dos infelizes.
Era, porém, a mentalidade da época de trevas e de ignorância que conseguistes iluminar.
Era, porém, a mentalidade da época de trevas e de ignorância que conseguistes iluminar.
Pedradas, humilhações de todo
porte, perseguições e zombarias, fome e necessidades, conseguistes transformar
em estímulo para a incomum entrega a Deus.
Quantas vezes, interrogastes:
- Quanto é demasiado? ou melhor, reflexionando, pensastes: Sou eu o proprietário de minhas posses ou elas me possuem?
- Quanto é demasiado? ou melhor, reflexionando, pensastes: Sou eu o proprietário de minhas posses ou elas me possuem?
Acostumado antes ao conforto e ao
luxo, ao poder e ao destaque entre os endinheirados, era natural que buscásseis
o equilíbrio entre a posse e o possuidor, resolvendo então por nada possuirdes.
Selecionastes os recursos para a
empresa de santificação, utilizando-vos da não-posse como sendo a libertadora
da alma.
Quando a fome derivada dos jejuns
e da falta de alimentos vos excruciava a todos, vosso canto em homenagem à Irmã
Alegria diminuía a tristeza geral e emoções sublimes tomavam conta de todos
vós...
Buscastes com o pequeno grupo o
apoio do papa Inocêncio III, o homem mais poderoso da época, mergulhado em luxo
e diplomacia, pompa exorbitante e indiferença pela fé, não porque necessitáveis
dele, que nada possuía para oferecer-vos em espiritualidade, mas para evitardes
a pecha degradante de heresia em vossa e na conduta daqueles que vos seguiam.
E apesar de tudo, o sensibilizastes pela pureza, candura e devotamento a Jesus, dele conseguindo somente uma bênção, perfeitamente dispensável, e algumas palavras de encorajamento.
E apesar de tudo, o sensibilizastes pela pureza, candura e devotamento a Jesus, dele conseguindo somente uma bênção, perfeitamente dispensável, e algumas palavras de encorajamento.
Vistes ali, no Palácio de Latrão,
em Roma, o anticristianismo, o burlesco, o jogo dos interesses vis, nos quais
Jesus estava ausente...
As vossas palavras e exemplos
tornaram-se estrelas iluminando a grande noite da Idade Média e avolumaram-se
aqueles que buscavam Jesus despido das mentiras humanas e dos rituais enganosos
da tradição teológica.
O vosso é o Jesus da
simplicidade, da pobreza, do amor aos infelizes, da renúncia às ilusões e da
sublimada entrega a Deus, não aquele a quem diziam seguir...
Quando Clara buscou o vosso
auxílio, deixando para trás o mundo de fantasias, acolhestes a jovem afetuosa,
sem recear o poder da sua família, tonsurando-a de imediato, para que ficasse
sob a proteção da Igreja e não fosse obrigada a retornar ao século.
Intimorato guerreiro do amor,
quanta coragem tínheis!
As vossas dores físicas, naqueles
dias, despedaçavam o vosso corpo frágil e afligiam a alma veneranda: malária em
surtos contínuos com febre e dores estomacais, com o baço e o fígado
comprometidos não conseguiram desanimar-vos...
Ao lado dessas aflições vosso
corpo foi lentamente transformado num jardim, no qual passaram a desabrochar as
primeiras rosas arroxeadas da hanseníase...
Suportáveis tudo com paz,
cantando louvores a Deus e aos Irmãos da Natureza.
Em vossa ingenuidade, um pouco
antes, pensando em converter a Jesus o sultão al-Malik-al-Kamir, viajastes ao
Egito com vosso irmão Iluminatus, conseguindo dialogar com o nobre muçulmano,
que acenou com a paz a Pelágio mais de uma vez, e que a recusou, redundando em
tragédia a Quinta Cruzada.
Embora sentindo-vos fracassar no
empenho para a conversão do monarca, buscastes os leprosos e os mais ínfimos
pelos sítios por onde peregrinastes.
Com anuência do sultão gentil
visitastes os lugares onde nascera, viera e morrera o Amor Incomum,
fortalecendo-vos para as crucificações do futuro a que seríeis submetido.
Quando retornastes à querida
Assis, já sentíeis as dores quase insuportáveis da conjuntivite tracomatosa,
muito comum no Oriente, e que atinge ainda hoje milhões de vítimas, levando-as
à cegueira.
Aconselhado por frei Elias e o
cardeal Ugolino, que vos amava, aceitastes em submeterdes-vos ao tratamento
especial contra o tracoma em Rieti, nas mãos do médico que aqueceu dois ferros
até os tornar brasas vivas e vos cegou, na ignorância presunçosa, atribuindo-se
conhecimentos que não possuía, abrindo na vossa face duas imensas feridas que
chegavam às orelhas.
E nem sequer reclamastes, exclamando, confiante:
- Oh, Irmão fogo!... Sê bondoso comigo nesta hora...
E nem sequer reclamastes, exclamando, confiante:
- Oh, Irmão fogo!... Sê bondoso comigo nesta hora...
Como se não bastasse,
posteriormente, a fim de estancar a purulência dos vossos ouvidos, novamente
experimentastes barras de ferro em brasa que os penetraram, sem que
exteriorizásseis um gemido único...
Oh! Pai Francisco!
Nas tempestades que sacudiram
então o vosso trabalho e no abandono a que vos atiraram alguns daqueles que
ainda amavam mais o mundo e suas mentiras, buscastes meditar nos montes Subásio
e Alverne, no último do qual Jesus crucificado, conforme ocorrera diante do
crucifixo de São Damião, vos assinalou com a stigmata, que alguns negariam
depois...
Quando alguém vos interrogou,
posteriormente, o antigo jovem trovador reagiu, dizendo:
- Cuide da sua vida.
- Cuide da sua vida.
Não desejáveis que ninguém
soubesse da vossa perfeita união com Ele, o Rejeitado sublime.
Aneláveis por viver e sofrer como
Ele vivera e sofrera, embora vos considerásseis inútil servo ou um homem
inútil.
Com o coração trespassado pelas
setas contínuas da ingratidão de muitos que agasalhastes no peito como se
fossem cordeiros mansos, embora fossem serpentes venenosas que vos picaram mil
vezes, assim mesmo continuastes amando-os.
Assim é o mundo com as suas
mancomunações!
Os utilitaristas e a sua
perversidade sempre estão presentes em todos os lugares.
Aqueles porém, que vos
atraiçoaram também morreram, Pobrezinho de Deus, e despertaram com a hanseníase
na alma...
Não vós!
Ave canora que éreis, ascendestes
na escala da evolução, vencendo todos os limites e dimensões do conhecimento,
recebido por Ele, que vos aguardava com a ternura infinita que reserva para
aqueles que O amam.
Ei-los, os ingratos, que se
encontram de volta à Terra destes dias, recordando-vos, arrependidos e afáveis,
buscando a reabilitação.
Apiedai-vos de todos eles, os
vossos crucificadores, e amparai-os na esperança e na coragem para conseguirem
a autoiluminação.
Menestrel de Deus!
Neste momento em que a Ciência e
a Tecnologia soberbas falharam na tarefa de fazerem felizes os seres humanos,
intercedei ao Pai por todos nós que ainda transitamos pela senda libertadora,
buscando a perdida alegria que desfrutávamos ao vosso lado, naqueles
inolvidáveis dias.
Pai Francisco!
Abençoai-vos, mais uma vez.
Joanna De Ângelis
FRANCO, Divaldo Pereira pelo
Espírito Joanna de Ângelis. Do livro: "Francisco, O Sol de Assis"
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