terça-feira, abril 30, 2019

A bênção da gratidão - Joanna de Ângelis




A bênção da gratidão


Joanna de Ângelis


Entre os sentimentos nobres que caracterizam o ser psicológico maduro, a gratidão destaca-se como um dos mais relevantes.


A vida, em si mesma, é um hino de louvor à Vida, portanto, de gratidão incontida.


Vida, porém, é vibração de harmonia presente em todo o Universo.


Limitada nas diversas expressões pelas quais se manifesta, é um desafio em constante desdobramento na busca de significado.


Quando o processo de crescimento emocional liberta o Espírito da sombra em que se aturde, nele se apresenta a luz da verdade, que é o discernimento em torno dos valores significativos que o integram no concerto harmônico do Cosmo.


Buscando a perfeita identidade, na fusão equilibrada do eixo ego/Self, dá-se conta que viver é experienciar gratidão por tudo quanto lhe sucede e tem oportunidade de vivenciar.


A gratidão, dessa maneira, é a força que logra desintegrar os aranzéis da degradação do sentido existencial.


Filha da maturidade alcançada mediante a razão, sobrepõe-se ao instinto, é conquista de elevada magnitude pelo propiciar de equilíbrio que faculta àquele que a sabe ofertar.


Comumente, na imaturidade emocional, acredita-se que a gratidão é uma retribuição pelo bem ou pelos favores que se recebem, consistindo em uma forma de devolução, pelo menos em parte. Inegavelmente, quando se devolve algo dos recursos recebidos, que têm significados saudáveis, opera-se no campo do reconhecimento. 


No entanto, trata-se de uma convenção, efeito do jogo mercadológico da oferta e da procura ou vice-versa.


O instinto de preservação da existência, trabalhando em favor dos interesses imediatistas, age, não poucas vezes, utilizando-se de ações retributivas, especialmente quando estimulado ao prazer.


A gratidão é um sentimento mais profundo e significativo, porque não se limita apenas ao ato da recompensa habitual. 


É mais grandioso, porque traz satisfação e tem caráter psicoterapêutico.


Todo aquele que é grato, que compreende o significado da gratidão real, goza de saúde física, emocional e psíquica, porque sente alegria de viver, compartilha de todas as coisas, é membro atuante na organização social, é criativo e jubiloso.


Predomina, porém, nas massas, que infelizmente diluem a identidade do indivíduo, confundindo os valores éticos e comportamentais, a ingratidão, filha inditosa da soberba, quando não do orgulho ou da prepotência, esses remanescentes do instinto, transformados em sombra perturbadora. 


Em consequência, vivem em inquietação, perturbam-se e desequilibram os demais, cultivando as enfermidades parasitas da agressividade, da violência ou da autocompaixão, entregando-se aos conflitos e realizando mecanismos de transferência de responsabilidades. 


Impossibilitados de compreender a finalidade existencial, a busca de um sentido para a autorrealização, fazem-se omissos, até mesmo no que diz respeito aos seus insucessos, entregando-se a condutas esdrúxulas que pensam poder escamotear os conflitos que os assinalam.


Essa estranha conduta é responsável por alguns mitos que remanescem no inconsciente, e esses arquétipos desculpistas constituem-lhes recursos de auto apaziguamento, dessa forma tentando conciliar a consciência que exige lucidez com o ego que prefere a ilusão.


O Self imaturo sofre o efeito do ego dominador e atribui-se méritos que não possui, acreditando-se credor de todas as benesses que lhe são concedidas, sempre anelando por mais recursos que lamentavelmente não o plenificam. 


Nesse estágio, haure bens que não sabe usar, e amontoam-se em armários ou em bancos, acumulando presunção e  despotismo, sem se integrar no conjunto social em que se movimenta. 


E quando o faz, destaca-se pelo orgulho e pelo falso poder externo, compensando as angústias internas com a bajulação e o aplauso dos outros, que se transformam em estímulo para exibir as qualidades que gostaria de possuir.


Aspira sempre por ter mais, sem a preocupação de ser melhor.


Busca ser respeitado, o que equivale a dizer temido, antes que ser amado, pela dificuldade que tem de amar, o que lhe propicia insegurança e mal-estar disfarçados com os vícios sociais, tais o álcool, as drogas da moda, o tabaco, o sexo apressado e destituído de sentimento emocional compensatório.


Recolhe onde não semeou, por acreditar-se possuidor de direitos que lhe não cabem, impedindo-se o dever de repartir solidariedade e harmonia.


Assume postura agressivo-defensiva, de modo que amealhe sem oferecer, descobrindo inimigos onde existem apenas desconhecidos que não foram conquistados e simpatizantes que não foram atraídos ao seu fechado círculo de egoísmo.


Permanece armado, em vigília contínua, em vez de amando em todas as circunstâncias, ante a irradiação de desequilíbrio que é o seu estado interno.


Introverte-se, quando deveria espraiar-se como as águas generosas do regato, diluindo as fixações que o retêm na infância da evolução antropológica...


O sentido existencial é de conquistas internas, aplicadas em favor da gratificação.


À medida que se recebe, doa-se, e, na razão direta em que se é aceito e querido, mais ama e melhor agradece.


A gratidão é uma bênção de valor desconhecido, porque sempre tem sido considerada na sua forma simplista e primária, sem o conteúdo psicoterapêutico de que se reveste.


Quando se reflexiona em torno da gratidão, quase imediatamente se pensa em devolver parte do que foi recebido, o que a torna insignificante e destituída de valor.


Permanece aí a visão material imediatista, sem os conteúdos psicológicos renovadores. 

Quando observamos uma rosa exteriorizando perfume carreado pela brisa, deparamo-nos com a gratidão do vegetal que transformou húmus e água em aroma delicado.


De igual maneira, o Sol, que responde pela preservação do milagre da vida em múltiplas manifestações, oscula o charco sem assimilar-lhe os odores pútridos e acaricia as pétalas das flores sem tomar-lhes o aroma agradável. 


Essa é a sua forma de agradecer a própria finalidade para a qual foi criado...


Quando o Espírito alcança o objetivo do seu significado imortal e entende-o com discernimento lúcido, abençoa tudo e todos, agradecendo-lhes a oportunidade por fazer parte do seu conglomerado.


A gratidão deve ser um estado interior que se agiganta e mimetiza com as dádivas da alegria e da paz.


Por essa razão, aquele que agradece com um sorriso ou uma palavra, com uma expressão facial em silêncio ou numa canção oracional, com o bem que esparze, é sempre feliz, vivendo pleno. 


Entretanto, aquele que sempre espera receber, que faz e anela pela resposta gratulatória, que se movimenta e realiza atos nobres, mas conta com o alheio reconhecimento, imaturo, negocia, permanecendo instável, neurastênico, em inquietação.


Quando se é grato, nunca se experimenta nenhum tipo de decepção ou queixa, porque nada espera em resposta ao que realiza.


A busca, portanto, da autorrealização é alcançada a partir do momento em que a gratidão exerce o seu predomínio no Self, sem nenhuma sombra perturbadora, constituindo-se uma sublime bênção de Deus.




FRANCO, Divaldo Pereira pelo Espírito Joanna de Ângelis . Psicologia da Gratidão. 3° ed. Salvador: LEAL, 2014. (Série Psicológica - Especial, volume 16) 240 p, p. 9-12.

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