sábado, junho 17, 2017

A biologia da crença. Capítulo I - Bruce H. Lipton





Capítulo I


A Inteligência das Células e dos Alunos


Problemas no Paraíso



Em meu segundo dia no Caribe conheci meus alunos, cem ansiosos estudantes de medicina, e percebi que nem todas as pessoas viam aquela ilha como eu, um refúgio pacífico e tranquilo no meio do oceano. 


Para aqueles estudantes, Monserrat era a última chance de transformar o sonho de se tornarem médicos em realidade.


Eram quase todos norte-americanos, da costa leste, com idade e etnia variadas. 


Um deles, aposentado e com 67 anos de idade, estava ansioso para aprender coisas novas. 


A formação deles também era bem heterogénea: a maioria tinha cursado apenas o colegial, mas também havia professores, contadores, músicos, uma enfermeira e até um contrabandista.


Apesar de todas as diferenças, tinham duas características em comum. 


A primeira é que haviam sido eliminados pelo competitivo processo seletivo das escolas de medicina dos Estados Unidos. 


A segunda era que tinham intenção real de se tornarem médicos e não desperdiçariam aquela chance de obter seu diploma. 


A maioria tinha economizado durante anos para pagar aquele curso e as des-pesas de morar em um país estrangeiro. 


Muitos estavam se aventurando sozinhos fora de casa pela primeira vez, longe da família e dos amigos, e também boa parte vivia em condições precárias naquele campus. 


Mas, apesar de todos os obstáculos e contratempos, nada os fazia mudar de ideia. 


Estavam decididos a se tornarem médicos. Pelo menos era o que parecia quando iniciaram o curso. 


Antes de mim tinham tido três professores de histologia/biologia celular. 


O primeiro abandonou os alunos porque teve de resolver problemas pessoais e simplesmente foi embora três semanas depois de se iniciarem as aulas. 


A diretoria encontrou outro para substituí-lo, mas este também não pode continuar porque ficou doente. 


Para que os alunos não ficassem sem aulas, um professor de outra matéria lia com eles trechos dos livros em sala de aula. 


Claro, isso não era produtivo e só os entediava, mas pelo menos fazia com que cumprissem a carga horária de palestras, um pré-requisito das bancas examinadoras para a prática da medicina nos Estados Unidos. 


Então, pela quarta vez no mesmo semestre, os alunos tinham um novo professor. 


No primeiro dia, falei rapidamente sobre minha formação acadêmica e minhas expectativas para o curso. 


Deixei bem claro que, mesmo estando em um país estrangeiro, meu nível de exigência para com eles seria o mesmo que tinha para com meus alunos em Wisconsin. 


Teriam de passar pela mesma bancada acadêmica, não importava onde estivessem estudando. 


Tirei então uma pilha de exames de minha pasta e distribuí entre eles, explicando que se tratava de um teste de conhecimentos gerais. 


Já estávamos no meio do semestre e por isso deveriam ter base suficiente para fazê-lo. 


Eram 20 questões de um teste de histologia do primeiro trimestre da Universidade de Wisconsin. 


Durante os primeiros dez minutos de prova a sala ficou em silêncio mortal. 



Depois, alguns alunos começaram a suar e a bufar, e o desespero se espalhou pela sala mais rápido do que o vírus ebola. 


Ao final dos 20 minutos de prazo que eu havia estipulado, todos estavam em pânico. 


Quando disse "tempo esgotado" houve uma chuva de gemidos e reclamações. 


A pontuação mais alta foi de dez respostas corretas. 


A maioria não acertou mais de sete. 


E o resto acertou duas ou três por mera sorte. 


Todos me olhavam chocados. 


Perceberam claramente o que os esperava. 


Metade do semestre havia se passado, mas teriam de recomeçar tudo outra vez, desde o início. 


Como a maioria ali já tinha sido reprovada em outros cursos, conhecia bem o protocolo. 


Seus olhares pareciam os daqueles filhotes de foca prestes a serem abatidos que vemos nas fotos do Greenpeace. 


Meu coração disparou. 


Imaginei que provavelmente a maresia e o ar daquela ilha estivessem me tornando um pouco mais generoso. 


Sem pensar duas vezes, disse a eles que faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que estivessem preparados para os exames finais, desde que também se esforçassem para isso. 


Percebendo minha sinceridade, eles pareceram se acalmar um pouco. 


Sentia-me como um treinador preparando o time para a disputa final. 


Expliquei a eles que não eram menos inteligentes que os alunos que tive nos Estados Unidos. 


A única diferença era que ainda não estavam, como eles, acostumados a estudar muitas horas por dia e a memorizar grandes quantidades de material em pouco tempo, uma característica essencial para alunos de faculdade. 


Expliquei também que histologia e biologia celular não são cursos de teoria muito complexa. 


A natureza segue princípios muito simples, fáceis de assimilar. 


Prometi que, em vez de pedir que memorizassem tudo, explicaria passo a passo o funcionamento das células para que entendessem os princípios básicos e complementaria a prática de laboratório com palestras sobre teoria no período da noite. 


Pareceram mais animados após essa explicação e saíram da sala determinados a não deixar que mais aquele obstáculo os impedisse de atingir seus objetivos. 


Quando todos saíram e parei para pensar no tamanho da responsabilidade que havia assumido, meu ânimo diminuiu. 


A maioria daqueles alunos não tinha conhecimento prévio suficiente para um curso de medicina, mesmo os mais capacitados. 


Percebi que a experiência acadêmica naquela ilha poderia acabar sendo uma grande perda de tempo e desperdício de esforços tanto para mim quanto para eles. ^


Comecei a achar que lecionar em Wisconsin era bem mais fácil. 


Eu dava apenas oito das cinquenta aulas do curso de histologia/biologia celular. 


O corpo acadêmico era bem maior e havia vários professores para cada matéria. 


Claro, tinha de conhecer o conteúdo de todas elas, pois também era responsável pelo acompanhamento das aulas de laboratório e respondia às questões dos alunos. 


Mas conhecer a matéria e ter de apresentar todo o conteúdo não é a mesma coisa! 


Tinha a sexta-feira e o final de semana para pensar na situação. 


Se isso tivesse acontecido na época em que eu estava em Wisconsin, provavelmente teria recusado o convite para lecionar a matéria. 

Mas quando me sentei naquela tarde perto da piscina, para assistir ao maravilhoso pôr-do-sol do Caribe, minha angústia se transformou em alegria. 


Fiquei contente porque, afinal, pela primeira vez em toda a minha carreira de professor, seria responsável por todas as matérias do curso de biologia, sem ter de me adaptar ao estilo ou às restrições de um corpo acadêmico.





As Células são Seres Humanos em Miniatura 



Ao contrário das expectativas, aquele curso de histologia acabou sendo o mais estimulante e intelectualmente profundo de minha carreira acadêmica. 


Como tinha liberdade para desenvolver o conteúdo da maneira que desejasse, resolvi colocar em prática uma técnica que tinha em mente havia anos. 


Sempre achei que comparar as células a "seres humanos em miniatura" poderia facilitar muito a compreensão dos alunos sobre sua fisiologia e comportamento. 


Montei então um esboço do curso com base nessa ideia e o resultado pareceu bem interessante. 


Muito provavelmente despertaria em meus alunos o mesmo entusiasmo que eu tinha em relação à ciência quando criança. 


Apesar de não gostar do aspecto burocrático da vida acadêmica, com todas aquelas reuniões e festas chatas, toda vez que entrava em um laboratório para fazer pesquisas me sentia exatamente como aos sete anos de idade, feliz e entusiasmado. 


A ideia de comparar células a seres humanos se desenvolvia cada vez mais em minha mente, pois após tantos anos observando-as por meio do microscópio, sentia-me como um grão de areia diante de uma forma de vida tão complexa e imponente, embora anatomicamente simples, exatamente como uma placa de Petri (Recipiente circular raso, de vidro ou plástico, usado para fazer cultura de microorganismos).


Você provavelmente aprendeu na escola alguns conceitos básicos sobre os componentes de uma célula: o núcleo, que contém material genético, a mitocôndria, que produz energia, a membrana que a reveste e o citoplasma, que fica entre eles. 


Mas dentro de cada uma dessas partes aparentemente tão simples há um vasto universo. 


A estrutura das células envolve tecnologia tão avançada que os cientistas ainda não conseguem compreendê-la totalmente. 


Minha técnica de compará-las a seres humanos certamente pareceria heresia para a maioria dos biólogos. 


Tentar explicar a natureza de um ser não humano utilizando como referência o comportamento humano é chamado antropormofismo. 


Os "verdadeiros" cientistas consideram o antropormofismo um verdadeiro pecado mortal e criticam os cientistas que o utilizam. 


Mas naquele momento eu tinha um bom motivo para quebrar as regras. 


Os biólogos estudam e compreendem os processos da natureza por meio da observação e do desenvolvimento de hipóteses sobre seu funcionamento e, para se certificar de que estão no caminho certo, realizam experiências. 


Portanto, criar hipóteses e experiências requer mecanismos de "raciocínio" sobre como as células ou outros organismos vivem. 


O que os cientistas ainda não perceberam é que, a partir do momento que aplicam soluções e pontos de vista "humanos" para desvendar os mistérios da vida estão praticando antropormofismo. 


Não importa quanto se discuta o assunto, a ciência e a biologia possuem características humanas. 


Pessoalmente, acredito que a crítica ao antropormofismo ainda seja remanescente da Idade Média, quando os líderes religiosos negavam qualquer relação entre os seres humanos e as outras espécies criadas por Deus. 


Entendo que é um exagero comparar objetos como lâmpadas, rádios ou ferramentas a seres humanos, mas não vejo problema quando se trata de organismos vivos. 


Somos todos organismos multicelulares e, portanto, temos muito em comum em termos de comportamento, se comparados às nossas células. 


Também entendo que é necessário um tipo diferente de percepção quando se trata de estabelecer paralelos desse tipo. 


Historicamente, nossas crenças judaico-cristãs nos levaram a acreditar que nós somos seres inteligentes e criados por meio de um processo diferente e totalmente distinto daqueles utilizados para plantas e animais. 


Isso nos faz sentir superiores em relação a todas as formas de vida menos inteligentes, especialmente os organismos que se encontram em posições menos elevadas da cadeia evolutiva. Mas esse conceito está totalmente fora da realidade. 


Quando observamos outros seres humanos como entidades individuais ou consideramos nós mesmos organismos únicos ao vermos nossa imagem refletida em um espelho, estamos corretos de certa forma, ao menos em nível de observação. 


Mas quando nos reduzimos ao tamanho de uma célula para analisar nosso próprio corpo sob a perspectiva celular passamos a ver o mundo sob uma nova perspectiva. 


Não nos vemos mais como uma entidade única e sim como uma comunidade de mais de 50 trilhões de células. 


Enquanto preparava minhas aulas para aquele novo curso, uma enciclopédia que eu usava quando criança me vinha à mente com frequência. 


A parte de ciências tinha uma ilustração de sete páginas transparentes e sobrepostas mostrando o corpo humano em detalhes. 


A primeira mostrava a figura de um homem nu. 


A segunda mostrava o mesmo corpo, porém sem a pele, com os de-talhes da musculatura. 


A cada página viam-se detalhes diferentes, como o esqueleto, o cérebro, a estrutura nervosa, as veias e os órgãos internos. 


Adaptei a ideia ao meu curso no Caribe e imaginei as mesmas transparências mostrando a estrutura celular. 


A maior parte dos componentes da estrutura de uma célula é chamada de organela, seus "órgãos em miniatura" que ficam dentro de uma substância gelatinosa chamada citoplasma. 


As organelas equivalem aos tecidos e órgãos do corpo humano. 


Possuem um núcleo, que é sua maior organela, uma mitocôndria e o complexo golgiense, além de vacúolos. 


Os cursos tradicionais apresentam primeiro essa estrutura celular; depois passam aos tecidos e órgãos do corpo humano, mas fiz algo diferente: integrei as duas partes do curso mostrando as semelhanças entre os corpos humano e celular. 


Ensinei a meus alunos que os mecanismos bioquímicos utilizados pelos sistemas de organela celular são basicamente os mesmos utilizados por nosso corpo. 


Embora sejamos compostos de trilhões de células, enfatizei que não há sequer uma "nova" função em nossos corpos que não esteja presente também nos das células. 


Cada célula eucariótica, isto é, que contém um núcleo, possui uma estrutura funcional equivalente aos nossos sistemas nervoso, digestivo, respiratório, excretor, endocrinológico, muscular, esquelético, circulatório, tegumentar (pele), reprodutivo e até mesmo algo parecido com nosso sistema imunológico porém mais primitivo, que utiliza uma família de proteínas semelhantes a anticorpos do tipo "ubiquitina". 


Expliquei também que cada célula é um ser inteligente e que sobrevive por conta própria, algo que os cientistas já demonstraram retirando células individuais do corpo para mantê-las em cultura separada. 


Assim como eu havia descoberto intuitivamente durante minha infância, essas células inteligentes tem vontade própria e um propósito de vida. 


Procuram ambientes que sejam adequados à sua sobrevivência e evitam todos os que possam ser tóxicos e/ou hostis. 


Da mesma maneira que nós, humanos, fazemos, analisam as centenas de estímulos que recebem do microambiente que habitam para selecionar as respostas comportamentais mais adequadas e garantir sua sobrevivência. 


As células também são capazes de aprender com as experiências que vivenciam em seu ambiente e de criar uma espécie de memória que é passada aos seus descendentes. 


Por exemplo: quando o vírus do sarampo infecta uma criança, suas células ainda não amadurecidas são colocadas em ação para criar um anticorpo de proteína protetor e combatê-lo. 


Nesse processo, as células criam um novo gene que servirá de padrão para a fabricação de anticorpos contra o sarampo. 


O primeiro passo para gerar um gene de anticorpos ocorre no núcleo das células imunológicas imaturas. 


Em seus próprios genes há um grande número de segmentos de DNA que contêm códigos de fragmentos moldados de proteínas. 


Recombinando e montando aleatoriamente esses segmentos, as células imunes criam uma vasta gama de genes que formam uma proteína única de anticorpos. 


Então, quando uma célula imune imatura produz uma proteína de anticorpos que seja um complemento físico "semelhante" ao do vírus do sarampo, aquela célula é ativada. 


Células ativadas utilizam um mecanismo muito interessante chamado "maturação de afinidade", que lhes permite "ajustar" de maneira muito precisa o formato de sua proteína de anticorpos, para que ela seja um complemento perfeito para vírus como o do sarampo (LI et al., 2003; ADAMS et al., 2003). 


Por meio de um processo chamado "hipermutação somática", as células imunes ativadas fabricam centenas de cópias de seu gene de anticorpo. 


Mas cada nova versão do gene é levemente modificada e contém um formato diferente da proteína de anticorpo. 


A célula seleciona a variante de genes que melhor se adapta àquela necessidade de anticorpos. 


Essa versão selecionada do gene também passa por vários ciclos de hipermutação somática para que a forma do anticorpo seja esculpida a ponto de se tornar o complemento físico "perfeito" do vírus (WU et al., 2003; BLANDEN e STEELE , 1998; DIZA e CASALI , 2002; GEARHART , 2002). 


Quando o anticorpo esculpido se une ao vírus, desabilita-o e o marca para ser destruído, protegendo a criança do sarampo. 


As células criam então um "arquivo" das informações genéticas desse anticorpo para que todas as vezes que o organismo for invadido pelo vírus do sarampo elas possam responder imediatamente. 


O novo gene de anticorpos também pode ser passado a todas as novas gerações em seu processo de divisão. Assim, elas não apenas "aprendem" sobre o vírus do sarampo como criam um "arquivo" a ser herdado e propagado entre a sua prole. 


Este magnífico processo de engenharia genética é de extrema importância, pois representa um mecanismo de "inteligência" inata que permite às células se desenvolver (STEELE et al., 1998).







As Origens da Vida : Células Inteligentes se tornam cada vez mais Inteligentes 


Não deveria ser uma surpresa para nós o fato de as células serem tão inteligentes. 


Os organismos unicelulares foram a primeira forma de vida deste planeta. 


Somente 600 milhões de anos mais tarde, de acordo com análises, é que os fósseis surgiram na Terra. 


Ou seja, durante 2,75 bilhões de anos da história da Terra os únicos habitantes vivos foram os organismos unicelulares como bactérias, algas e protozoários semelhantes a amebas. 


Então, há 750 milhões de anos, esses organismos descobriram como evoluir e se tornar ainda mais inteligentes: surgiram os primeiros organismos multicelulares (plantas e animais). 


No início eram apenas comunidades esparsas ou "colônias" de organismos unicelulares, constituídas de centenas de células. 


Mas as vantagens evolucionárias de viver em comunidade fizeram com que, em pouco tempo, as colônias se transformassem em organizações de milhões, bilhões ou mesmo trilhões de células individuais interagindo entre si. 


Embora cada célula tenha dimensões microscópicas, o tamanho dessas comunidades pode variar de algo minúsculo, mas visível, a uma estrutura monolítica. 


Os biólogos classificam essas comunidades de acordo com sua estrutura observada pelo olho humano. 


Embora pareçam ser entidades únicas (como um rato, um cão ou um ser humano) são, na verdade, associações organizadas de milhões e trilhões de células. 


A exigência evolucionária de que fossem criadas mais comunidades celulares é meramente um reflexo da imperiosa necessidade biológica de sobrevivência. 


Quanto mais consciência um organismo tem do ambiente que o cerca, melhores são suas chances de sobreviver. 


Quando as células se agrupam, aumentam exponencialmente sua consciência do meio ambiente. 


Assim, se para cada uma delas dermos um valor X, toda colônia de organismos terá uma consciência potencial de pelo menos X vezes o número de células que a compõem. 


Para sobreviver em densidade tão alta, as células tiveram de criar ambientes estruturais próprios. 


Essas sofisticadas comunidades subdividem sua carga de trabalho com mais precisão e eficácia que nossas maiores empresas e corporações mundiais. 


O método mais eficiente ainda é ter indivíduos especializados para cada tarefa. 


No desenvolvimento dos animais e das plantas, as células adquirem as funções específicas ainda na fase embrionária. 


O processo de especialização citológica permite que se desenvolvam determinados tecidos e órgãos do corpo. 


Com o passar do tempo, esse padrão de "diferenciação", como o da distribuição da carga de trabalho entre os membros da comunidade, por exemplo, passa a fazer parte dos genes de cada célula da comunidade, aumentando a eficácia do organismo e sua habilidade de sobreviver. 


Em organismos maiores, apenas uma pequena porcentagem das células é responsável pela leitura e resposta aos estímulos do ambiente. 


Esse papel é desenvolvido por grupos de células especializadas que formam os tecidos e órgãos do sistema nervoso. 


A função do sistema nervoso é captar as informações do ambiente e coordenar o comportamento de todas as outras células em sua vasta comunidade. 


A divisão de trabalho entre as células oferece ainda outra vantagem quando se trata de sobrevivência: reduz sua longevidade. 


Um indivíduo consome menos que dois. 


Se compararmos, por exemplo, o custo da construção de apartamentos de dois dormitórios ao de apartamentos de apenas um dormitório haverá uma grande diferença, especialmente quando se trata de condomínios grandes, de 100 unidades. 


Para sobreviver, as células consomem certa quantidade de energia. 


Portanto, quanto menos for gasto, maiores serão as chances de sobrevivência do grupo e melhor será sua qualidade de vida. 


Henry Ford analisou as vantagens técnicas do esforço conjunto e as utilizou para criar o conceito de linha de montagem para a fabricação de carros. 


Antes de Ford, uma equipe de funcionários levava de uma a duas semanas para produzir um único automóvel. 


Ele organizou sua fábrica de modo que cada funcionário fosse responsável por uma tarefa específica. 


Posicionou todos em fila na esteira de produção e foi passando as peças de um especialista para o outro. 


O conceito de especialização de tarefas se mostrou tão eficaz que a indústria de Ford conseguia produzir um automóvel em apenas 90 minutos. 


Mas, infelizmente, "nos esquecemos" desse conceito de cooperação, tão necessário para a evolução, quando Charles Darwin propôs uma teoria radicalmente diferente sobre o surgimento da vida. 


Há 150 anos ele chegou à conclusão de que os organismos vivem em uma perpétua "luta pela sobrevivência". 


Para Darwin, luta e violência são partes naturais da natureza animal (humana) e também a "força básica" do desenvolvimento evolucionário. 


No capítulo final de A origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida, Darwin descreve aquilo que chama de "inevitável luta pela sobrevivência" e enfatiza que a evolução se dá pela "guerra da natureza, da escassez à morte". 


Portanto, a partir dessa teoria, a evolução se dá de maneira aleatória e temos um mundo cheio de pequenas batalhas sangrentas e sem sentido em nome da sobrevivência ou, segundo a descrição poética de Tennyson, "nas mandíbulas da morte".






A Evolução Sem As mandíbulas da Morte 



Embora Darwin tenha sido o mais famoso dos evolucionistas, o primeiro cientista a estabelecer a evolução como um fato foi o grande biólogo francês Jean-Baptiste de Lamarck (Lamarck, 1809, 1914, 1963). 


Até mesmo Ernst Mayr, o arquiteto do neodarwinismo (uma versão moderna da teoria de Darwin, que incorpora a genética molecular do século 20), concorda que Lamarck foi de fato pioneiro na área. Em seu clássico de 1970, Evolution and the diversity of life (Mayr, 1976, p. 227) [A evolução e a diversidade da vida], ele declara: 


"A mim parece que Lamarck tem um bom motivo para ser denominado 'fundador da teoria da evolução', e assim é chamado por diversos historiadores franceses... ele foi, de fato, o primeiro autor a dedicar um livro inteiro à apresentação de uma teoria de evolução orgânica. 


E foi o primeiro a apresentar todo o sistema de animais como produto da evolução". 


Lamarck não apenas apresentou sua teoria 50 anos antes de Darwin, como ofereceu uma explicação menos drástica para os mecanismos da evolução. 


Sua teoria diz que a evolução está baseada em uma interação cooperativa entre os organismos e seu meio ambiente, que lhes permite sobreviver e evoluir em um mundo dinâmico. 


Afirmava que os organismos passam por adaptações necessárias à sua sobrevivência em um ambiente que se modifica constantemente. 


O mais interessante é que a hipótese de Lamarck sobre os mecanismos da evolução se ajusta muito bem à explicação dos biólogos modernos sobre como o sistema imunológico se adapta ao meio ambiente da mesma maneira que descrevi acima. A teoria de Lamarck foi duramente criticada pela Igreja. 


O conceito de que os seres humanos evoluíram a partir de formas de vida mais primitivas foi considerado heresia. Lamarck também não recebeu o apoio de seus colegas cientistas. Como eram todos cria-cionistas, ridicularizaram suas ideias. 


Um biólogo de desenvolvimento alemão, August Weismann, foi ainda mais longe quando fez testes para provar que, ao contrário do que Lamarck dizia, os organismos não transmitem traços ou aprendizado sobre sobrevivência adquiridos em sua interação com o ambiente. 


Em uma de suas experiências, cortou a cauda de um casal de ratos e os colocou juntos para que procriassem. 


Dizia que, se a teoria de Lamarck estivesse correta, os pais transmitiriam à prole a ausência de cauda. 


Mas os filhotes nasceram com cauda normal. 


Weismann repetiu então a experiência com 21 gerações, mas nenhum filhote nasceu sem cauda, o que o levou a concluir que a teoria de Lamarck estava errada. 


A experiência de Weismann, porém, não testava realmente a teoria de Lamarck. 


Sua hipótese era que as mudanças evolucionárias levam "imensos períodos de tempo", nas palavras do biógrafo L. J. Jordanova. 


Em 1984, Jordanova escreveu um artigo mostrando que a teoria de Lamarck "era fundamentada" em uma série de "proposições", incluindo: "... as leis que governam organismos vivos produziram formas muito complexas em imensos períodos de tempo" (JORDANOVA, 1984, p. 71). 


A experiência de Weismann, que durou cinco anos, obviamente não era suficiente para testar a teoria. 


Outra falha na experiência é que Lamarck jamais afirmou que todas as mudanças em um organismo seriam transmitidas a seus descendentes. 


Segundo sua teoria, os organismos adquiriam traços (como mudanças em formato ou tamanho da cauda) quando se tratava de mudanças necessárias à sua sobrevivência. 


Embora Weismann pensasse que os ratos não precisavam de sua cauda ninguém perguntou a eles qual era sua função para a sobrevivência da espécie! 


Apesar de todas as falhas, o estudo dos ratos sem cauda ajudou a destruir a reputação de Lamarck, que acabou sendo ignorado. 


O evolucionista C. H. Waddington, da Universidade de Cornell, escreveu em The evolution ofan evolutionist (WADDINGTON, 1975, p. 38) 


[A evolução de um evolucionista]: 


"Lamarck foi o único na história da biologia a ter o nome ridicularizado e a sofrer abusos por suas teorias. 


A maioria dos cientistas que propõem novas teorias acaba se tornando ultrapassada, mas poucos autores tiveram seu trabalho tão criticado e rejeitado mesmo dois séculos depois, a ponto de os céticos acreditarem que ele tinha a mente perturbada. 


É preciso admitir que Lamarck foi julgado injustamente". 


Waddington escreveu estas palavras 30 anos atrás. 


Hoje, a teoria de Lamarck está sendo reavaliada sob a perspectiva da nova ciência, que não considera totalmente erradas as suas ideias nem totalmente corretas as de Darwin. 


A manchete de um artigo do famoso periódico Science em 2000 já indicava grandes mudanças: 


"Será que Lamarck estava totalmente enganado?" (BATTER, 2000). 


Um motivo para os cientistas reverem a teoria de Lamarck é que os evolucionistas levam em consideração a grande importância da cooperação na manutenção da vida na biosfera.


Inúmeras experiências científicas já mostraram as relações simbióticas da na-tureza. 


Em Darwirís blind spot (RYAN, 2002, p. 16) [O ponto negro de Darwin], o físico inglês Frank Ryan narra uma série de relações, incluindo a de um camarão amarelo que agarra a comida enquanto seu parceiro, um peixe-gobi, o protege de seus predadores e o de uma espécie de caranguejo que carrega uma anêmona rosa sobre sua casca. 


"Peixes e polvos se alimentam de caranguejos, mas os desta espécie têm um sistema de defesa a mais. 


Quando predadores em potencial se aproximam, a anêmona abre seus tentáculos coloridos e brilhantes, lançando dardos envenenados em sua direção. 


Eles rapidamente se afastam e vão procurar alimentos em outro lugar" e a brava anêmona se beneficia com esta parceria, pois fica com todos os restos dos alimentos do caranguejo. 


Mas o conceito de cooperação na natureza vai muito além desses exemplos simples. 


"Os biólogos estão descobrindo cada vez mais associações entre animais que evoluíram paralelamente e continuam a coexistir, desenvolvendo em seu interior microorganismos que são necessários para a sua saúde e desenvolvimento". 


Isso é descrito em um artigo recente da Science, chamado "Sobrevivemos com a ajuda de nossos (pequenos) amigos" (RUBY  et al., 2004). 


O estudo desses relacionamentos é um ramo da ciência que hoje está se expandindo rapidamente, chamado "Biologia de sistemas". 


O mais engraçado é que nas últimas décadas aprendemos a combater os microorganismos usando os mais diferentes produtos químicos, de sabão antibacteriano a antibióticos. 


Mas essa prática simplista ignora o fato de que diversas bactérias são essenciais para a nossa saúde. 


Um exemplo clássico de como os seres humanos se beneficiam dos microorganismos é o das bactérias presentes em nosso sistema digestivo, essenciais para a nossa sobrevivência. 


Agindo em nosso estômago e trato intestinal, elas ajudam a digerir os alimentos e permitem a absorção das vitaminas que mantêm nossa saúde. 


Esta cooperação entre micróbios e humanos é o motivo pelo qual o uso desenfreado de antibióticos pode comprometer a sobrevivência de nossa espécie. 


Esses medicamentos eliminam microorganismos nocivos ao nosso organismo, mas também matam indiscriminadamente aqueles que são essenciais para a nossa saúde. 


Estudos recentes da ciência do genoma revelam mais um tipo de mecanismo de cooperação entre as espécies. 


Alguns organismos parecem integrar suas comunidades celulares partilhando seus genes. 


Antes se pensava que os genes eram transmitidos exclusivamente à prole de cada espécie e por meio da reprodução. 


Agora os cientistas estão descobrindo que os genes podem ser compartilhados não apenas entre os membros da mesma espécie, mas também entre outras. 


Esse processo de transferência genética acelera a evolução, pois os novos organismos podem adquirir experiências "já aprendidas" pelos outros (NITZ et al, 2004; PENNISI , 2004; BOUCHER et al, 2003; DUTTA e PAN , 2002; GOGARTEN , 2003). 


Com essa troca de genes, os organismos não podem mais ser vistos como entidades separadas. 


Não existe mais a suposta divisão entre as espécies. 


Daniel Drenn, gerente do departamento de energia do projeto Genoma, declarou à Science em 2001 (294:1634): 


"... não temos mais como simplesmente qualificar espécies" (PENNISI , 2001). 


Mas essa troca de informações genéticas não ocorre por acidente. 


Trata-se de um método que a natureza utiliza para aumentar as chances de sobrevivência da biosfera. 


Como já mencionei, os genes são os arquivos de memória das experiências aprendidas pelos organismos. 


Essa nova descoberta de que há troca de genes entre as espécies mostra que as experiências podem ser compartilhadas por todos os indivíduos que compõem a grande comunidade da vida. 


Obviamente, o conhecimento desse mecanismo de transferência torna a engenharia genética ainda mais perigosa. 


Por exemplo: experiências simples com genes de tomates podem ir muito além daquilo que se imaginava e acabar alterando toda a biosfera de maneira irreversível. 


Um estudo recente mostra que, quando humanos ingerem alimentos geneticamente modificados, os genes criados artificialmente se misturam e alteram as características das bactérias benéficas do intestino (HERITAGE , 2004; NETHERWOOD et al, 2004). 


E a transferência de genes entre vegetais geneticamente modificados e espécies nativas deu origem a espécies e sementes altamente resistentes mas de potencial ainda não conhecido (MILIUS, 2003; HAYGOOD et al, 2003; DESPLANQUE et al, 2002; SPENCER E SNOW, 2001). 


Os engenheiros geneticistas jamais levaram em consideração os possíveis resultados de suas experiências ao introduzir organismos geneticamente modificados no meio ambiente. 


Agora estamos começando a sentir os efeitos dessa omissão à medida que esses genes se espalham, causando alterações em outros organismos do meio ambiente (WATRUD et al, 2004). 


Segundo os evolucionistas genéticos, se não aprendermos as lições da natureza, que nos ensinam a importância da cooperação entre as diferentes espécies, podemos por em risco o destino da raça humana. 


Precisamos avançar além das teorias de Darwin, que enfatizam apenas a importância dos indivíduos e entender a importância da comunidade. 


O cientista inglês Timothy Lenton apresentou evidências de que a evolução depende mais da interação entre diversas espécies do que a interação do indivíduo somente com a sua própria espécie. 


Só sobrevivem os grupos que melhor se adaptam ao ambiente, não apenas seus indivíduos. 


Em um artigo publicado pela Nature em 1998, Lenton declara que devemos concentrar nossa atenção nos indivíduos e em seu papel na evolução: 


"... temos de considerar a totalidade dos organismos e seu ambiente físico para entender quais traços persistem e são dominantes" (LENTON , 1998). 


Lenton concorda com a hipótese de Gaia, de James Lovelock, segundo a qual a Terra e todas as suas espécies constituem um único organismo vivo e interativo. 


Todos os que defendem essa ideia concordam que, ao afetarmos o equilíbrio desse super-organismo, a que Lovelock chama de Gaia, seja pela destruição das florestas, da camada de ozônio seja pela alteração genética dos organismos vivos, podemos ameaçar sua sobrevivência e, consequentemente, a nossa. 


Estudos recentes do Conselho Britânico de Pesquisas do Meio Ambiente [Britairís Natural Environment Research Council] confirmam essa possibilidade (THOMAS  et al, 2004; STEVENS  et al, 2004). 


Embora já tenha havido cinco extinções em massa na história de nosso planeta, todas parecem ter sido causadas por eventos extraterrestres, como um cometa que se chocou contra ele. 


Um dos novos estudos conclui que o "mundo natural está passando pela sexta extinção" (LOVELL , 2004). 


Mas desta vez o motivo não vem de fora. 


Segundo Jeremy Thomas, um dos autores desse estudo, "esta extinção está sendo causada por um organismo animal: o homem".





Seguindo o Caminho das Células



Lecionando na escola de medicina percebi que os alunos deste tipo de curso conseguem ser mais competitivos e sarcásticos que os de direito. 


Seguem literalmente a teoria de Darwin em sua luta para ser os "melhores" formandos após quatro anos de sangrenta luta na faculdade. 


Essa busca desesperada pelas melhores notas e por uma carreira brilhante, mesmo que para isso seja necessário derrubar ou humilhar os colegas, é a expressão literal do modelo darwiniano, mas para mim sempre pareceu o oposto do maior objetivo da medicina, que é a paixão pela cura. 


Meus estereótipos, porém, sobre os alunos de medicina caíram por terra durante o período em que vivi naquela ilha. 


Após minha apresentação do curso, em que os chamei à luta, deixaram de se comportar como alunos convencionais de medicina. 


Trocaram a competitividade agressiva pela união de esforços e se transformaram em uma equipe disposta a sobreviver bravamente àquele semestre. 


Os mais capazes ajudavam os mais fracos e, como consequência, todos se fortaleceram. Era uma harmonia surpreendente e bela de se observar. 


A recompensa final foi um final digno de Hollywood. 


Apliquei exatamente o mesmo teste final que usava na Universidade de Wisconsin e o resultado não mostrou diferença alguma entre esses alunos "rejeitados" e seus colegas "elitistas" dos Estados Unidos. 


Muitos chegaram a entrar em contato comigo algum tempo depois para me contar que quando voltaram para casa e começaram a trabalhar com os alunos que haviam cursado universidades norte-americanas descobriram que tinham até mais conhecimentos e domínio dos princípios que regem a vida das células e dos organismos do que eles. 


Claro, fiquei extasiado ao ver que meus alunos haviam realizado um verdadeiro milagre acadêmico. 


Mas levei alguns anos para perceber como eles conseguiram. 


Na época, achei que o formato do curso é que havia ajudado. 


Ainda acredito que comparar a biologia das células à biologia humana é a melhor maneira de apresentar o conteúdo. 


Mas hoje, que me considero ainda mais maluco, no melhor estilo doutor Dolittle, vejo que boa parte do sucesso de meus alunos ocorreu porque eles modificaram sua atitude e passaram a agir de maneira diferente da de seus colegas nos Estados Unidos. 


Em vez de se comparar aos estudantes de medicina de lá resolveram adotar o princípio das células, que se unem para viver melhor e evoluir. 


Jamais disse a eles que adotassem esse comportamento, até porque eu mesmo ainda seguia o estilo e muitos dos dogmas da ciência tradicional. 


Mas fico feliz ao perceber que eles seguiram intuitivamente nessa direção assistindo a minhas aulas sobre a habilidade das células de se unir de maneira cooperativa para formar organismos mais complexos e altamente eficazes. 


Outro motivo para o sucesso deles que hoje vejo mais claramente é o fato de eu não ter enaltecido apenas as células durante o curso, mas os alunos também. 


Sentiram-se motivados ao ouvir que tinham tanta capacidade quanto qualquer estudante de medicina que estivesse fazendo o curso nos Estados Unidos. 


Vou mostrar nos próximos capítulos que muitos de nós vivemos de maneira limitada não por falta de alternativas, mas por acreditar que elas não existem. 


Bem, hoje posso afirmar que já enxergo algumas delas. 


Basta dizer que, após quatro meses vivendo no paraíso e lecionando de uma maneira que me permitiu ter uma noção ainda mais ampla da vida das células e das lições que elas podem nos ensinar, comecei a deixar de lado a poeira de derrotismo da genética, da programação paterna e dos conceitos darwinistas de que somente os melhores sobrevivem, para abraçar definitivamente a nova biologia.





FONTE:

LIPTON, Bruce H. A biologia da crença. Capítulo I .São Paulo: Butterfly, 2007.Ciência e espiritualidade na mesma sintonia: o poder da consciência sobre a matéria e os milagres Tradução Yma Vick , p. 16-29.


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