Maria, de Magdala
Feparana
Ninguém lhe conhecia a origem.
Ela aparecera em Magdala, numa ocasião em que a cidade transbordava de
estrangeiros, vindos das festas de Jerusalém e de caravanas carregadas de
especiarias do Egito.
*
A cidade, também denominada de Migdol Nunaya, no Talmude, era uma aldeia de pescadores, na beira ocidental do lago de Genesaré.
Os palácios se erguem, ao longo da praia, entre os leques
das palmeiras e a sombra dos jardins.
*
Nas ruas calçadas, trafegam mercadores, soldados de escudo e lança, publicanos, o povo.
Pelas mãos circulam
dracmas, sestércios, denários e papiros cambiais aos sons do hebraico,
aramaico, grego e latim.
*
Ela chegara e adquirira fama: Maria.
Logo se lhe acrescentara à denominação, o nome da cidade: de Magdala.
Era uma mulher de grandes olhos nostálgicos e de longos cabelos caídos
sobre as espáduas, como onda escura de ouro.
*
Seu palácio era procurado
pelos príncipes das sinagogas; por ricos negociantes; por opulentos senhores de
terras e de escravos; funcionários de alta categoria da administração
herodiana, que lhe depositavam no regaço moedas de ouro, joias, dracmas de
prata, perfumes raros, presentes exóticos.
*
Ela se dava ao luxo de
escolher quem lhe aprouvesse e se tornou detentora dos segredos dos fariseus,
aqueles que baixavam a cabeça na rua, com ares pudicos, mas que a buscavam,
embuçados em mantos negros, a horas mortas.
*
Maria, de Magdala ou Madalena, contudo, não era feliz.
Surda tristeza a minava, entregando-se, por vezes, dias seguidos, à profunda amargura.
Espíritos infelizes a tomavam, em
noites variadas, deixando-a alheada, olhos perdidos no mistério de insondáveis
distâncias.
*
Nessas horas, as servas despediam, do átrio, todos os que a buscassem.
Alguns homens, sentindo-se preteridos, dobravam as ofertas pelas horas de prazer que anteviam.
Tudo em
vão.
*
Numa noite de perfumes
primaveris, instada por uma serva de confiança, dedicada e fiel, permitiu um
diálogo1 sobre o Rabi que andava pelas estradas da Galileia e da Judeia.
*
Sentiu a esperança renascer, ante a informação de que aquele Rabi convivia com os pecadores, os excluídos.
Ele viera para encontrar o que estava perdido.
*
Numa noite que balouçava
luzes miúdas no firmamento escuro1, servindo-se de uma embarcação, atravessou o
lago e foi ter com Ele, em Cafarnaum.
*
Quando Ele veio a Magdala, ela tomou de um vaso de alabastro que continha o perfume do lótus.
Custara-lhe o preço de um campo.
Era seu presente ao Amigo.
*
Sabendo-O em casa de Simão,
para lá se dirigiu.
*
Como bom fariseu, Simão
experimentava um gozo particular em ostentar virtudes e recepcionar amigos,
apresentando, em seu palácio, personalidades que, por qualquer motivo, se
tornaram famosas.
*
Durante meses, após um
banquete, os comentários persistiam na cidade, acerca dos personagens que sua
casa acolhera.
*
Com Jesus não fora diferente.
Ele e dois de Seus discípulos haviam merecido a distinção de um
banquete na rica vivenda de Simão.
*
Quase ao seu final, ouviram-se gritos e altercações.
Depois, rompendo a segurança, Madalena irrompe
na sala.
*
Tudo se deu tão rápido!
Ela
se arroja aos pés do Rabi que permanece impassível, na posição em que Se
encontrava.
*
Surdos cochichos perpassam pelo ambiente.
Simão se enche de cólera, ante o epílogo desastroso do seu jantar.
Teme mandar expulsá-la, porque sabe da sua coragem e ousadia.
Ela o
conhece, bem como a tantos outros que ali se apresentam como homens de honra.
*
Jesus serve-Se do momento para lecionar o Amor, exaltando o gesto daquela mulher que, ajoelhada aos Seus pés, rega-Os com suas lágrimas, enxuga-Os com seus cabelos e Os unge com o excelso perfume que impregna todo o ambiente, concluindo:
Por isso te digo que
os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem
pouco é perdoado, pouco ama.(Lucas, 7:47).
*
Ergue-se a voz de Jesus com infinita majestade:
Mulher, a tua fé te salvou; vai-te em paz. (Lucas, 7:48).
*
Na manhã seguinte Magdala soube, pasmada, a notícia da conversão da pecadora.
Distribuíra tudo quanto
possuía e, com o estritamente necessário, iniciara nova vida.1
*
As vozes da desonra e do
despeito sussurravam que ela voltaria às noites de prazer, que enlouquecera,
que sempre fora louca.
*
Ela se juntou aos que seguiam o Mestre.
Discreta, mais de uma vez recebeu a bofetada da desconfiança.
Sabia que não confiavam em sua renovação, nem se davam conta de quantas
tentações ela estava procurando sublimar.
*
Chegados os dias da denúncia
de Judas, da prisão de Jesus, do julgamento arbitrário, ei-la, caminhando para
o Gólgota, acompanhando-O.
*
Permaneceu ao pé da cruz, junto a Maria e ao discípulo João.
Quando a cabeça D’Ele pendeu, desejou
cingir-lhe outra vez os pés e osculá-los com ternura, mas se sentiu
imobilizada.1
*
No domingo, indo ao túmulo
com Joana de Cusa, Maria, a mãe de Marcos, e outras mulheres, encontrou a pedra
do sepulcro removida, dobrados os lençóis que lhe haviam envolvido o corpo.
*
Ela temeu que os judeus houvessem roubado o Seu corpo.
Enquanto as demais retornaram a Jerusalém a
informar o ocorrido, ela permaneceu no jardim, a chorar.
*
A saudade feita de dor lhe estrangulava o peito, quando ouviu a voz d’Ele, chamando-a pelo nome.
O Mestre
estava ali, vivo, radioso como a madrugada recém-nascida.
*
Foi anunciar o fato aos discípulos, que não creram.
Por que haveria Jesus de aparecer a ela, logo para ela?
Somente Maria, a mãe dEle a abraçou e lhe pediu detalhes.
*
Os dias que se seguiram foram de saudades e recordações.
As notícias lhe chegavam doces: o encontro com
os jornaleiros dos caminhos de Emaús; a pesca incomparável; a jornada a
Betânia.
*
Após quarenta dias, junto
aos quinhentos discípulos, ela O viu ascender lentamente, as mãos voltadas para
eles, como num gesto de afago, as vestes luminosas, desaparecendo ante seus
olhos.
*
Desejou então seguir com os novos disseminadores da Boa Nova.
Temeram que sua presença pudesse ser
perniciosa, semeando desconfiança, naqueles dias incipientes das luzes do
Reino.
*
Ela experimentou soledade e
abandono e, para arrefecer a imensa saudade do Rabi, passou a andar pelas
longas praias que tanto O recordavam.
*
Numa dessas tardes,
encontrou leprosos que vinham de muito longe buscar o socorro da cura.
*
Ela os abraçou, dizendo-lhes que Jesus já partira.
Deteve-se por horas a falar, saudosa, do que aprendera
com quem era o Caminho, a Verdade e a Vida.
*
Depois, seguiu com eles ao vale dos imundos.
Sentindo que a seiva da vida diminuía em suas veias, desejou
rever a doce Mãe de Jesus, aquela que tanto a afagara em suas amarguras, e foi
a Éfeso, morrendo às portas da cidade, sendo brandamente recolhida nos braços
do Amor não Amado.
*
01.FRANCO, Divaldo Pereira.
A rediviva de Magdala. In:___. As primícias do Reino. Pelo Espírito Amélia
Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.
02.ROHDEN, Huberto.
Madalena. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap.
53.
03.SALGADO, Plínio. O abismo
e a estrela.. In:___. Vida de Jesus. 21. ed., São Paulo: Voz do Oeste, 1978.
pt. 3, cap. XLI.
04.VAN DEN BORN, A . Magdala.
In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
05.XAVIER, Francisco Cândido. A mulher e a ressurreição. In:___. Boa nova. Pelo Espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1963. cap. 22.
06.______. Maria de Magdala. Op. cit. cap. 20
*
FONTE
FEPARANA. FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ. Disponível em :<http://www.feparana.com.br/topico/?topico=472>. Acesso : 14 NOV 2023.
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