Minutos de Paz !

domingo, abril 30, 2023

DESLEIXO E REENCARNAÇÃO - Cornélio Pires

 


DESLEIXO E REENCARNAÇÃO

Cornélio Pires


Aborto nas leis da vida

É dívida que se arrasa...

Feliz de quem paga contas

Por dentro da própria casa.


Revi Armênio o escritor...

Vivia na camoeca,

Reencarnado é zelador

De antiga biblioteca.


Finou-se Nélia, a enfermeira,

Que só agia no mal...

Reencontrei-a trabalhando

Em limpeza de hospital.


Lembro Zico, advogado...

Só brigava e confundia...

Morreu e voltou à Terra,

Sofrendo hidrocefalia.


Renasceu Juca... vivia

De tomar a terra alheia.

Agora ganha somente

Suando na pá de areia.


A impotente dona Joana,

Finada em paixão e treva,

Pediu corpo e vida humilde

No mato da Genoveva.


Obrigação para hoje,

Seja atendida de vez,

Que vida espera amanhã

Aquilo que não se fez.


XAVIER, Francisco Cândido pelo Espírito Cornélio Pires. Coisas deste mundo. São Paulo: Clarim.

 

sábado, abril 29, 2023

O moço do manto marrom - Léon Tolstoi pela psicografia da médium Yvonne do Amaral Pereir




O moço do manto marrom


 

Narra João, o quarto cronista  da Boa Nova, no capítulo 21, versículo 25  do seu Evangelho que: Muitas outras coisas, porém, há ainda que fez Jesus; as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que delas se houvessem de escrever.

 *

Marcos escreve, em seu capítulo 9:37 a 39, a respeito da atitude de João ordenando a um homem que parasse de cuidar obsedados, em nome de Jesus, porque não pertencia ao círculo do Nazareno.

 *

É Léon Tolstoi que realiza o resgate da personagem, através da psicografia abençoada de Yvonne Pereira, narrando-nos que, mesmo muito jovem, aquele personagem era visto a seguir Jesus, onde quer que Ele se encontrasse.

 *

Moreno, de olhos cinzentos e sonhadores, cabelos negros e abundantes que iam até à altura do pescoço, barba pequena, negra como a cabeleira, sempre tratada e limpa, vestia uma túnica de algodão azul escuro, alpercatas gregas e um manto marrom.

 *

A tiracolo trazia, de um lado, um saco de couro de carneiro onde guardava, envoltos em retalhos de linho muito alvo, dois roletes de madeira, espécie de carretéis, um deles sempre suprido com papiros, utilizados para a escrita pelos intelectuais da época, conforme o uso grego; estiletes, sais coloridos e uma espécie de flauta, um  pífano. Do outro lado, em outro saco trazia um alaúde.

 *

Ele era visto sempre sozinho. Jamais falava, e difícil seria dizer de sua nacionalidade. Poderia ser egípcio, não fosse a cor dos olhos. Talvez fosse mesmo grego, dadas as particularidades dos apetrechos para a escrita.

 *

Seguindo Jesus, o moço do manto marrom procurava se sentar, no chão, ou em um banco improvisado com uma pedra, ou na soleira de uma porta e punha-se a escrever o que ouvia.

 *

À noite, na pensão modesta a que se recolhesse ou no celeiro de alguma casa particular, ele desenrolava os papiros e, à luz de uma candeia de azeite, tudo relia. Estudava mesmo, até alta madrugada, fazendo anotações, comentários em outros retalhos de papiros ou peles de ovelhas, colecionando tudo caprichosamente. É como se, em sua mente, já se estivesse delineando algo que surgiria bem mais tarde, o livro.

 *

Muito erudito, escrevia em grego, aramaico ou latim, e por vezes, compunha versos, acerca do que ouvira e vira, pois mais de uma vez presenciou as extraordinárias curas realizadas pelo Meigo Rabi.

*

Ele estava presente, quando o chefe da sinagoga de Cafarnaum procurou Jesus, suplicando-lhe ir à sua casa, pois sua filha, menina de doze anos, estava presa de febre violenta.

 *

Assistiu, assim, à cura da mulher portadora de terríveis hemorragias. Jesus, então empurrado daqui e dali, aproximou-se tanto do jovem, nessa oportunidade, que o Seu manto lhe roçou o rosto. Emocionado, o moço tomou da ponta do manto e ali depositou um ósculo de veneração.

 *

O Nazareno voltou-Se, fitou-o em silêncio e pousou, por um único instante, Sua mão sobre a cabeça do moço, abençoando-o. Os dois olhares se cruzaram. Nenhuma palavra foi pronunciada.

 *

Logo mais, o alarido festivo anunciava que a filha de Jairo estava curada. Ali mesmo, o jovem retirou o tubo de estiletes, os carretéis com os papiros, os sais coloridos e escreveu sobre o que presenciara.

 *

Alguns dias depois, estando em uma praça aguardando a vinda de Jesus, o moço começou a observar a quase multidão que também ali esperava. Por onde andariam Jesus e os Apóstolos?

 *

Possivelmente em outra localidade, esparzindo bênçãos. Mas ali, os doentes começaram a ficar impacientes. Havia gemidos de um lado, queixas de outro.

 *

Finalmente, em torno do meio-dia, tomado de profunda compaixão, o moço se levantou da sombra da videira, onde estava assentado, desde o alvorecer, e aproximou-se de um daqueles endemoninhados em convulsão. Colocou sua mão sobre a cabeça do pobre homem e exclamou:

 

Em nome de Jesus Nazareno, o Filho de Deus vivo, retira-te deste homem e vai em paz!1

 *

O doente ainda rolou pelo chão, gritou roucamente. Finalmente, surpreso, parecendo acordar de um pesadelo, se ergueu, um tanto envergonhado, limpou a poeira da túnica e se foi. Estava curado.

 *

O restante daquele dia foi dedicado todo a curas de obsedados. Parecia ser a especialidade daquele moço. Nos dias seguintes, ele continuou. Foi então que João, em presenciando a sua tarefa, lhe proíbe de continuar, visto  não pertencer ao grupo de Jesus, não ser um dos Apóstolos.

 *

Estranhamente, não demorou muito a que o mesmo João retornasse a ele, desculpando-se humildemente e participando-lhe que continuasse no seu ministério. O próprio Mestre, informou, o autorizava , mesmo não gozando ele da intimidade dos verdadeiros discípulos, pois reconhecia nele um amigo digno de confiança...1

 *

Vieram depois os dias tristes da prisão e morte do Divino Amigo. Sete dias se tinham passado. O jovem acabara de escrever sobre as notícias da ressurreição tão falada. Cansado de escrever, de ler e de chorar, adormeceu e sonhou.

 *

Sonhou que Jesus o visitava em seu pobre albergue, radioso, e lhe pedia que tratasse de curar também as almas, não somente os corpos, eis que essas são eternas.

 *

Assim, o moço do manto marrom passou a atrair crianças e jovens para perto de si, através da música. Tocava melodias doces em sua flauta e, quando se via rodeado, dizia que se sentassem, porque ele tinha histórias muito lindas para contar. Histórias de um Príncipe que descera dos Céus.

 *

E ele narrava o que vira e ouvira. Depois declamava ou cantava seus versos, que falavam das verdades eternas, revelando-se emérito professor e educador.

 *

Durante o dia trabalhava remendando mantos e túnicas, carregando água e cestos de compras,  levando camelos e cavalos de estrangeiros a beberem e para serem lavados. Pela manhã e ao cair do crepúsculo, dava suas aulas.

 *

Aos discípulos interessados presenteava uma cópia das suas anotações sobre o Nazareno e Sua Boa Nova.

 *

Quando reconhecia que seus ouvintes haviam assimilado as lições, partia para outras terras. Na sua velhice, foi visto na cidade dos Césares, ainda de olhos sonhadores, tocando velhas melodias em seu pífano, ou recitando e cantando lindos poemas ao som de seu alaúde. Poemas que falavam de um Príncipe que abandonara temporariamente as estrelas para ensinar aos homens a Lei de Amor.

 *

Nunca ninguém lhe registrou o nome. Na juventude, chamavam-no Moço. Na velhice, Avozinho.

 *

Personagem grandiosa, trabalhador da Seara de Jesus, a ele se refere o Evangelho com rapidez. No entanto, seu nome está escrito no Livro dos Céus, pelo desempenho da grande tarefa: amar a Deus, ao próximo e ao Evangelho do Mestre de Nazaré.

 

*


1 PEREIRA, Yvonne A. pelo Espírito Léon Tolstoi.O discípulo anônimo. In:___. Ressurreição e vida. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1965. cap. V.

02.SALGADO, Plínio. A planície. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. pt. 4, cap. 49.


FONTE

FEPARANÁ. Disponível em <http://www.feparana.com.br/topico/?topico=2520>. Acesso: 24 ABR 2023.

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sexta-feira, abril 28, 2023

TEU CORPO - Emmanuel


 

TEU CORPO

Emmanuel


Não menosprezes teu corpo, a pretexto de ascensão à virtude.


Recorda que a semente responsável pelo pão que te supre a mesa, em muitas ocasiões, se valeu do adubo repelente a fim de poder servir-te e que a água a derramar-se do vaso para acalmar-te a sede, quase sempre, foi filtrada no charco, para que a secura não te arruinasse a existência.


O corpo físico é o santuário em que te exprimes no mundo.


Não olvides semelhante verdade para que não respondas com o desleixo à Previdência Divina que, com ele, te investiu na posse de valiosos recursos para o teu aperfeiçoamento de espírito na vida imperecível.


Realmente, as almas vacilantes na fé e ainda aprisionadas às teias da ignorância arrojam-no aos desvãos da aventura e da inutilidade, mas os caracteres valorosos e acordados para o bem, dele fazem o precioso veículo para o acesso às alturas.


Com o corpo terrestre, Maria de Nazaré honorificou a missão da Mulher, recebendo Jesus nos braços maternais e Paulo de Tarso exalçou o Cristianismo nascente, atingindo o heroísmo e a sublimação... 


Com ele Francisco de Assis imortalizou a bondade humana; Giordano Bruno lobrigou a multiplicidade dos mundos habitados;


Galileu observou o movimento da Terra em plena vida cósmica; 


Vicente de Paulo teceu o poema inesquecível da caridade e Beethoven trouxe ao ouvido humano as melodias celestiais...


Lembra-te de que teu corpo é harpa divina. 


E ao invés de lhe condenares as cordas ao abandono e à destruição, tange nelas, com o próprio esforço, o hino do trabalho e da fraternidade, da compreensão e da luz, que te fará nota viva e harmoniosa na sintonia de amor universal com que a Beleza Eterna exalta incessantemente a Sabedoria Infinita de Deus.


XAVIER, Francisco Cândido pelo Espírito Emmanuel.Viajor, cap.22.

quinta-feira, abril 27, 2023

DEUS TE AMA - Joanna de Ângelis



 DEUS TE AMA

Joanna de Ângelis


DEUS te ama,
e tu percebes.


Sua ternura te rocia a face,
e Suas mãos te sustenta.


Seu hálito te vitaliza
e Sua voz silenciosa chega aos seus ouvidos,
com bênçãos, com esperanças e com orientações.


DEUS te buscar e te encontra.


Agora que O sentes, deixa-te penetrar
e conduzir ao destino feliz que ter reserva.


DEUS vive, manifesta
e dilata o Seu Amor
através de ti.


Tu o sabes...


E onde estiveres
Ele estará sempre contigo.




FRANCO, Divaldo Pereira pelo Espírito Joanna de Ângelis.Deus te ama.Filhos de Deus.Livraria Espírita Alvorada,1986.


quarta-feira, abril 26, 2023

Preocupações - Andre Luiz




Preocupações 

Andre Luiz


Não se aflija por antecipação, porquanto é possível que a vida resolva o seu problema, ainda hoje, sem qualquer esforço de sua parte.


Não é a preocupação que aniquila a pessoa e sim a preocupação em virtude da preocupação.

 

Antes das suas dificuldades de agora, você já faceou inúmeras outras e já se livrou de todas elas, com o auxílio invisível de Deus.

 

Uma pessoa ocupada em servir nunca dispõe de tempo para lembrar injúria ou ingratidão.

 

Disse um notável filósofo: "uma criatura irritada está sempre cheia de veneno", e podemos acrescentar: "e de enfermidade também".

 

Trabalhe antes, durante e depois de qualquer crise e o trabalho garantirá sua paz.

 

Conte as bênçãos que lhe enriquecem a vida, em anotando os males que porventura lhe visitem o coração, para reconhecer o saldo imenso de vantagens a seu favor.

 

Geralmente, o mal é o bem mal-interpretado.

 

Em qualquer fracasso, compreenda que se você pode trabalhar, pode igualmente servir, e quem pode servir carrega consigo um tesouro nas mãos.

 

Por maior lhe seja o fardo do sofrimento, lembre-se de que Deus, que agüentou você ontem, agüentará também hoje.

 

XAVIER, Francisco Cândido pelo Espírito  André Luiz. Sinal Verde.

terça-feira, abril 25, 2023

ASSUNTO DE PAIXÃO - Cornélio Pires

 


ASSUNTO DE PAIXÃO

Cornélio Pires 


Você deseja notícias,

Meu caro Juca Simões,

Sobre o que existe no Além

Ante a luta das paixões.


O assunto do seu pedido,

Quanto ao que busca saber,

É tão fácil de sentir,

Tão difícil de escrever!...


Reconhecemos: o amor

É luz em todo ser vivo,

Mas quando vira paixão

É processo obsessivo.


Há paixões de toda espécie,

Por encargos, por dinheiro,

Por mando, posse, vingança,

Rolando no mundo inteiro.


Mas a paixão propriamente

É aquele calor que surge

É aquele calor que surge

Por labareda do amor.


No começo é uma faísca,

Com clarão vago e miúdo,

Depois é fogo crescendo,

Incêndio que arrasa tudo.


A pessoa nessa prova

Vagueia tonta e insegura,

Pode enrolar-se no crime,

Quanto cair na loucura.


Veja a tragédia de Alvina,

Apegou-se ao Filomeno,

O moço quis Nominata,

Alvina foi-se a veneno.


Eugênio amava Tintina,

Tintina escolheu Jão Massa,

Só por isso o pobre Eugênio

Vive hoje de cachaça.


Contrariado no amor,

Dedicado à Gabriela,

Excitado, o Longimano,

Deu dois tiros no pai dela.


Você recorda decerto,

O nosso Quinquim da Areia,

Matou Ziziu por ciúme

E afundou-se na cadeia.


Recusado por Tininha,

Irvalmo arrasou Clemente,

Depois disso, exasperado,

Enloqueceu de repente.


Outra cousa, veja esta:

Nessas mortes por paixão

Aparece grande parte

Dos casos de obsessão.


Ninita por desprezar,

Matou Gil de Saramenha,

Mas sem corpo Gil a segue

Como fogo atado à lenha...


Sertório morreu aos poucos,

Envenenado por Zuma,

Sertório desencarnado

Não a deixa hora nenhuma.


Joana desfez-se de Antero

Para entregar-se ao Fontana,

Mas o espírito de Antero

Vive ligado com Joana.


Segundo todos sabemos

Cada qual vive por si,

Cuidado !... Foge à paixão

Que a paixão é isso aí...


Se você gosta de alguém,

Recorde: amor não reclama,

Não prende, nem sacrifica

E ampara sempre a quem ama.


Não procure ser amado

Ame e abençoe por dever,

Mantenha sinceridade

E deixe a vida correr.


Paixão é cousa da sombra,

Dor que a si própria maldiz,

Mas o amor é luz de Deus,

Amor é a vida feliz.


XAVIER, Francisco Cândido pelo Espírito Cornélio Pires. Retratos da vida. Cap.9.

segunda-feira, abril 24, 2023

Decisão de Ser Feliz - Joanna de Ângelis








Decisão de Ser Feliz

Joanna de Ângelis



Empenha-te ao máximo para tornar tua vida agradável a ti mesmo e aos outros.


É importante que, tudo quanto faças, apresente um significado positivo, motivador de novos estímulos para o prosseguimento da tua existência, que se deve caracterizar por experiências enriquecedoras.


Se as pessoas que te cercam não concordarem com a tua opção de ser feliz, não te descoroçoes, e, sem qualquer agressão, continua gerando bem-estar.


És a única pessoa com quem contarás para estar contigo, desde o berço até o túmulo, e depois d’Ele, como resultado dos teus atos...


Gerar simpatia, produzindo estímulos otimistas para ti mesmo, representa um crescimento emocional significativo, a maturidade psicológica em pleno desabrochar.


É relevante que o teu comportamento produza um intercâmbio agradável, caricioso, com as demais pessoas. 


No entanto, se não te comprazer, transformar-se-á em tormento, induzindo-te a atitudes perturbadoras, desonestas.


Tuas mudanças e atitudes afetam aqueles com os quais convives.


É natural, portanto, que te plenificando, brindem-te com mais recursos para a geração de alegrias em volta de ti.


Todos os grandes líderes da Humanidade lutaram até lograr sua meta — alcançar o que haviam elegido como felicidade, como fundamental para a contínua busca.


Buda renunciou a todo conforto principesco para atingir a iluminação.


Maomé sofreu perseguições e permaneceu indômito até lograr sua meta.


Gandhi foi preso inúmeras vezes, sem reagir, fiel aos planos da não-violência e da liberdade para o seu povo.


E Jesus preferiu a cruz infamante à mudança de comportamento fixado no amor.


Todos quantos anelam pela integração com a Consciência Cósmica geram simpatia e animosidade no mundo, estando sempre a braços com os sentimentos desencontrados dos outros, porém fiéis a si mesmos, com quem sempre contam, tanto quanto, naturalmente, com Deus.


Quando se elege uma existência enriquecida de paz e bem-estar, não se está eximindo ao sofrimento, às lutas, às dificuldades que aparecem. 


Pelo contrário, eles sempre surgem como desafios perturbadores, que a pessoa deve enfrentar, sem perder o rumo nem alterar o prazer que experimenta na preservação do comportamento elegido. 


Transforma, dessa maneira, os estímulos afligentes em contribuição positiva, não se lamentando, não sofrendo, não desistindo.


Quem, na luta, apenas vê sofrimento, possui conduta patológica, necessitando de tratamento adequado.


A vida é bênção, e deve ser mantida saudável, alegre, promissora, mesmo quando sob a injunção libertadora de provas e expiações.


Tornando tua vida agradável, serão frutíferos e ensolarados todos os teus dias.



FRANCO, Divaldo Pereira pelo espírito Joanna de Ângelis. Momentos de saúde. Cap.1, 1992, p.03.





"O psiquismo divino flui através de mim.

Deus sustenta-me e conduz-me em todos os dias da minha vida.

Há um fluxo e refluxo de força que me percorre o ser e impulsiona-me ao prosseguimento.

De mim depende coordenar os movimentos, eleger a meta e avançar.

Submetendo-me a essa força vital tudo se me torna acessível, e poderei chegar ao bom termo das minhas aspirações em paz".

Joanna de Ângelis

sexta-feira, abril 21, 2023

Parto de mim - Ana Jácomo





Parto de mim

Ana Jácomo


O dia era grande. Daqueles sem agenda. Sem pés apressados. Sem olhos vigiando ponteiros. Acordei com a sensação de que o tempo era outra coisa. E a vida também. Com uma saudade que tinha feições familiares. Cheiro conhecido. Braços longos. Que eu tentava sufocar das mais variadas formas e continuava lá, pulsando, doída e doce, desde sempre. Misto de veneno e mel, derramando por dentro, alastrando quente, tocando em tudo, permeando a minha história e me seguindo, incansável, aonde quer que eu fosse. A qual eu chamava por diferentes nomes, em diferentes épocas, como se houvesse esquecido do que se tratava.

*

Quando, por algum descuido meu, a voz daquela saudade conseguia driblar os disfarces do meu ouvido, sussurrando ou gritando ela pedia que eu me entregasse. Que jogasse as armas no chão. Que puxasse o fio do tecido de que eram feitas as máscaras. Que parasse com os truques. Que derrubasse o muro que ergui. Que desistisse de continuar catalogando novas ilusões. Em pânico, eu lhe dizia que não. Como um peixe que nega o mar. Como um pássaro que rejeita as asas. E a cada vez que dizia, a cada vez que a negava, a vida se escondia um pouco mais.

*

Naquela manhã, quando acordei, sua fala mansa me pegou desprevenida. Eu tinha todo o medo do mundo, mas sentia, com alívio, que já não tinha mais a mesma resistência para esquivar-me dela. As armas que eu manejara, habilmente, por tanto tempo, tornavam-se cada vez mais obsoletas. O tecido das máscaras estava esgarçado; algumas já haviam até caído, desfeitas, pelo caminho. A maioria dos truques tornaram-se tão conhecidos que não conseguiam mais me enganar, ainda que eu tentasse. O muro, repleto de rachaduras em vários pontos, tombava, lentamente, em pequenos pedaços, a cada passo que dava. As ilusões se dissipavam, uma a uma, deixando cada vez mais à mostra os seus olhos pousados nos meus.

*

A saudade era do ser que me habitava. Que eu era, antes de estar qualquer coisa. Por trás das armas. Das máscaras. Dos truques. Do muro. Das ilusões. Acima. Apesar deles. Que encontrava, raramente, entre gestos tímidos e tensos, quando furava o meu esquema de segurança, vinha ao meu encontro e se misturava comigo de tal forma que, por alguns instantes, éramos um. Que luzia, ainda que eu ofuscasse. Que me ligava a todas as coisas, ainda que eu me afastasse de todas elas. Que jogava sementes, ainda que eu arrancasse os brotos. Que era terra molhada, quando eu era deserto.

*

A saudade era do ser que morava em mim. Que tinha um sol inteiro para me dar, quando a vela, de chama trêmula, que eu levava, estava se acabando. Que cultivava sorrisos atrás dos meus pântanos. Que não tinha idade. Que abraçava grande. Que pronunciava, sem baixar a voz, palavras como ternura, encanto, fascínio, pureza. Que atraía almas conterrâneas. Com uma musicalidade semelhante. Uma fragrância familiar. Com cheiro de bolo de vó. De sonho sem medo. De vida beijada.

*

A saudade era do ser, em mim, que entendia de crisálidas. De sede. Pés. Miragens. Da dor das noites que esquecem de dormir. Das emoções que hesitam despertar. E, conhecendo as dores, chamando-as pelos nomes, não se agarrava a elas. Que se via em tudo. Em todos. Que confiava nas pessoas. Que sabia que as pessoas são, em essência, amor, disfarçadas de espelhos, que refletem umas para as outras aquilo que impede que se mostrem e se vejam como são.

*

A saudade era do ser que me fazia acreditar que eu não era uma turista num planeta estrangeiro nem uma sobrevivente de uma civilização extinta, como tantas vezes sentia. E me ensinava que toda vez que eu achasse que os outros precisavam de legendas para me entender, eu poderia recorrer aos idiomas que o coração entende. Um sorriso. Um olhar. Um abraço.

*

A saudade era do amor que aquele ser emanava e do qual eu era feita. Da seiva que permeava todo o jardim. Que era o meu corpo, por trás da roupa de gente que eu usava e da qual precisava cuidar com o carinho com que se cuida da roupa do amado, embora raramente eu lembrasse disso. Da porção em mim que era mágica e sábia. Humilde e serena. Que me intuía. Que me ajudava a desenhar o meu caminho. Encontrar o meu acorde. Escrever a minha história.

*

A saudade, terna e arrebatadora, era daquilo em mim que tinha um compromisso com a vida, ainda que eu fizesse de conta que o havia esquecido e só honrasse os compromissos que o meu coração nunca assumiu. Daquilo que não se importava com os porquês. Que se desprevenia. Que se enamorava. E que se olhasse para o azul do céu mil vezes se emocionava em todas elas, reverenciando o pintor. Que me lembrava de que eu devia saborear a paisagem com os companheiros de viagem, mesmo sem saber aonde o barco me levaria. E de que se chegasse a tormenta, eu não deveria esquecer, na aflição, que eu não era o barco, e, sim, o mar.

*

Embora tivesse saudade desse ser amoroso que, em essência, eu era, tinha muito medo de me entregar a ele. E sabia, sem conseguir desviar os meus olhos dos olhos daquela saudade, que aquele era o mesmo medo que estava por trás de outras entregas que ficaram no rascunho. O mesmo que tinha feito com que vivesse à margem de mim. E tivesse acompanhado a marcha da multidão. Usado o mesmo uniforme. Empunhado as mesmas armas. Fabricado o mesmo tédio. Compactuado com o suicídio diário e lento das vidas que desaprendem a florescer. E chamado a tudo isso de normal.

*

Naquele dia acordei com saudade e com medo. Nem mais casulo nem vôo ainda. Sabia que enquanto eu não voltasse a dar a mão àquele ser que me habitava, enquanto eu não voltasse a dançar com ele, continuaria a me sentir longe de casa, separada da minha gente, fora do meu habitat, perambulando, confusa e assustada, no mundo árido e sem cor que desenhei quando larguei a sua mão.

*

Para fluir comigo, a vida pedia que eu soltasse o medo e me entregasse. Que dissesse sim. Que acreditasse nela. Eu não sabia como fazer, mas sentia, entre as contrações, que ela estava fazendo por mim, através de cada experiência que eu atraía para o meu caminho.

*


Naquele dia, grande, acordei com a sensação de que o tempo era outra coisa. De que a vida era outra coisa. E eu também.




JÁCOMO,Ana.  Do livro "Parto de Mim".Fábrica de Livros do Senai, 2001.