Hábito
Emmanuel
O hábito é uma esteira de reflexos
mentais acumulados, operando constante indução à rotina.
Herdeiros de milênios, gastos na
recapitulação de muitas experiências análogas entre si, vivemos, até agora,
quase que à maneira de embarcações ao gosto da correnteza, no rio de hábitos
aos quais nos ajustamos sem resistência.
Com naturais exceções, todos adquirimos
o costume de consumir os pensamentos alheios pela reflexão automática, e, em
razão disto, exageramos as nossas necessidades, apartando-nos da simplicidade
com que nos seria fácil erguer uma vida melhor, e formamos em torno delas todo
um sistema defensivo à base de crueldade, com o qual ferimos o próximo,
dilacerando consequentemente a nós mesmos.
Estruturamos, assim, complicado
mecanismo de cautela e desconfiança, para além da justa preservação, retendo,
apaixonadamente, o instinto da posse e, com o instinto da posse, criamos os
reflexos do egoísmo e do orgulho, da vaidade e do medo, com que tentamos inutilmente
fugir às Leis Divinas, caminhando, na maioria das circunstâncias, como
operários distraídos e infiéis que desertassem da máquina preciosa em que devem
servir gloriosamente, para cair, sufocados ou inquietos, nas engrenagens que
lhes são próprias.
Nesse círculo vicioso, vive a
criatura humana, de modo geral, sob o domínio da ignorância acalentada, procurando
enganar-se depois do berço, para desenganar-se depois do túmulo, aprisionada no
binômio ilusão-desilusão, com que despende longos séculos, começando e
recomeçando a senda em que lhe cabe avançar.
Não será lícito, porém, de modo
algum, desprezar a rotina construtiva.
É por ela que o ser se levanta no
seio do espaço e do tempo, conquistando os recursos que lhe enobrecem a vida.
A evolução, contudo, impõe a
instituição de novos costumes, a fim de que nos desvencilhemos das fórmulas
inferiores, em marcha para ciclos mais altos de existência.
É por esse motivo que vemos no
Cristo — divino marco da renovação humana —todo um programa de transformações
viscerais do espírito.
Sem violência de qualquer
natureza, altera os padrões da moda moral em que a Terra vivia há numerosos
milênios.
Contra o uso da condenação metódica, oferece a prática do perdão.
A tradição de raça opõe o
fundamento da fraternidade legítima.
No abandono à tristeza e ao
desânimo, nas horas difíceis, traz a noção das bem-aventuranças eternas para os
aflitos que sabem esperar e para os justos que sabem sofrer.
Toda a passagem do Senhor, entre
os homens, desde a Manjedoura, que estabelece o hábito da simplicidade, até a
Cruz afrontosa que cria o hábito da serenidade e da paciência, com a certeza da
ressurreição para a vida eterna, o apostolado de Jesus é resplendente conjunto
de reflexos do caminho celestial para a redenção do caminho humano.
Até agora, no mundo, a nossa
justiça cheira a vingança e o nosso amor sabe a egoísmo, pelo reflexo
condicionado de nossas atitudes irrefletidas nos milênios que nos precedem o
“hoje”.
Não podemos desconhecer, todavia,
que somente adotando a bondade e o entendimento, com a obrigação de educar-nos e
com o dever de servir, como hábitos automáticos nos alicerces de cada dia,
colaborando para a segurança e felicidade de todos, ainda mesmo à custa de
nosso sacrifício, é que refletiremos em nós a verdadeira felicidade, por estarmos
nutrindo o verdadeiro bem.
XAVIER, Francisco Cândido pelo
Espírito Emmanuel. Pensamento e Vida, cap.20, p.35-36.
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