Catadora de papel
A professora Rute Villas Boas, sensibilizada
com uma cena comum nos dias de hoje, mas que passa despercebida por muitos de
nós, escreveu o seguinte:
Ela passava
todas as noites, altas horas, empurrando um carrinho, cujas rodas rangentes
avisavam-me da sua chegada.
Vinha sempre
acompanhada de uma criança que a ajudava a recolher papéis, precioso saldo da
coleta dos lixeiros.
Na penumbra
formada pela copa das árvores, eu apenas conseguia vislumbrar-lhes as
silhuetas, esquálidas e andrajosas.
Seus rostos
ainda me permanecem anônimos, mas suas vozes parecem ecoar nos meus ouvidos,
cada vez que me lembro delas.
Indiferentes
ao sono e às intempéries, caminhavam mãe
e filha a passos lentos, como que para
desfrutarem ao máximo a mútua companhia.
E conversavam
muito. Havia, na fala daquelas criaturas, um misto de compreensão e
cumplicidade. E muito carinho.
A mulher,
embora maltrapilha, trajava-se de uma dignidade que só as grandes almas
possuem, ensinando à garota os segredos da vida.
A menina, supostos oito ou nove anos, absorvia-lhe as palavras, atenta,
argumentando algumas vezes, questionando outras...
E o diálogo
fluía, longo, harmonioso, suave e, de repente, explodia em cristalinas
gargalhadas.
Sinal
inequívoco de que se sentiam felizes, pelo simples fato de estarem juntas.
Há muito
tempo, já não passam pela minha rua. Talvez tenham mudado o percurso. Talvez
tenham mudado de vida ou de endereço. Talvez... Quem poderá saber?
Hoje, me
surpreendi pensando naquela mulher e na extraordinária lição de vida que ela me
deixou: mesmo dentro da mais absoluta miséria, jamais negligenciou o sagrado
compromisso da maternidade.
Mesmo em face
das inúmeras adversidades, preferia carregar consigo a filha muito amada,
aproveitando todo o tempo para orientar-lhe o caminho.
E nem o
cansaço, nem a fome presumível, nem a incontestável pobreza conseguiam
tirar-lhe a paciência e o bom humor, condições indispensáveis à difícil tarefa
de educar.
No árduo
momento em que vivemos, o que constatamos, com freqüência, são pais
ensandecidos pela ânsia da conquista de “status” social, sem disponibilidade,
ausentes, formando, mesmo dentro de lares abastados, filhos desorientados,
carentes e tristes.
Pensando
nisso, resolvi prestar uma homenagem especial a essa ignorada mulher, diamante
oculto na rocha bruta, mãe sem rosto e sem nome: mãe “catadora de papéis”!
* * *
Importante
extrair dessa singela história o ensinamento grandioso que ela contém.
A lição de que
o afeto, a atenção e o carinho não dependem do dinheiro para poder se
expressar.
O amor não
necessita de recursos financeiros, posição social ou diplomas para brotar.
O amor, para
se manifestar, precisa, tão-somente, de um coração disposto.
De um coração
que entenda o amor e o deixe nascer e florescer, ainda que em condições
difíceis, onde a miséria material habita.
E onde o amor
floresce, onde existe educação, atenção, compreensão e afeto, surge sempre a
esperança acenando com as possibilidades de um amanhã mais feliz e risonho.
Pense nisso!
Redação do Momento Espírita com base em texto da Agenda
Renascer, da professora Rute Villas Boas.Disponível em www.momento.com.br.
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