1 CONVERSA DE COMPANHEIRO
Cornélio Pires
Eis hoje, caro José,
Meu singelo parecer.
Em carta você me fala
Que só deseja morrer.
E anota com insegurança,
Dizendo espantado a mim:
— “Você me diga, Cornélio,
Se estou certo agindo assim.”
Tal assunto em sua ideia,
Tão lúcida quão travessa
Realmente não entendo
Como lhe vem à cabeça.
Posso afirmar-lhe, de pronto,
Na força de nossa fé : —
- Reajuste o próprio passo,
Não tente a morte, José.
Quem se esquece de viver,
Pensando em fim prematuro,
Acaba sem perceber
Caindo em salto no escuro.
Observe a Natureza:
Toda a vida se processa
Para serviço no tempo
Que não cogita de pressa.
O sol não registra idade,
A noite prepara o dia,
O fruto surge na hora,
Relógio não se abrevia.
Não falha a Obra de Deus
Cuja lei é a perfeição,
Todos temos lugar próprio,
Da estrela aos vermes do chão.
Morte, em si, é um velho marco
Na estrada de toda gente,
Aceitá-la é conformar se,
Provocá-la é diferente.
A Terra é um navio grande
Nas águas do Amor Divino,
Quem sai dele contra a ordem,
Noutro barco é clandestino.
E quem se faz clandestino,
No grau em que se subleva,
Encontra rudes lições
No caminho a que se leva.
Vivia pedindo a morte
Nossa amiga Dona Inês,
Acheia-a pior no Além,
Rogando um corpo outra vez.
Desanimou de viver
Nhô Nico da Tanajura,
Morreu mas vive isolado
Nas pedras da sepultura.
Xingando os filhos ingratos
Nhá Quina morreu aos poucos,
Mas vive cuidando agora
Dos netos muito mais loucos.
Por não suportar a nora,
Finou-se Olavo Vilela,
No Além não acha serviço
A não ser velar por ela.
Em não se ajustando ao genro,
Morreu Pio Avanhandava,
Hoje em dia quer ser filho
Do genro que detestava.
Por odiar a família
Morreu Marcelino Gaza,
Hoje, em luta, descobriu
Que está preso à própria casa.
Para fugir do trabalho
Finou-se o Juca Pulchério,
Mas hoje só sente paz
Se fica no cemitério.
Morreu Lino por pirraça
Contra a esposa Ana Sarmento,
Agora corre atrás dela,
Gritando arrependimento.
Conserve o seu próprio corpo,
É a medida que lhe peço;
Ele é seu campo de luta,
Sua enxada de progresso.
Não se descuide da vida
Nem viva no mundo às tontas,
A morte nos muda a casca
Mas não nos resolve as contas.
A morte que traz descanso,
Paz, reconforto, alegria
É aquela que nos procura
E chega sempre no dia.
Xavier, Francisco Cândido pelo Espírito Cornélio Pires. Retratos da vida, cap.1.
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