O moço do manto marrom
Narra João, o quarto cronista da Boa Nova, no capítulo 21, versículo
25 do seu Evangelho que: Muitas outras
coisas, porém, há ainda que fez Jesus; as quais, se se escrevessem uma por uma,
creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que delas se houvessem de
escrever.
Marcos escreve, em seu capítulo 9:37 a 39, a respeito da
atitude de João ordenando a um homem que parasse de cuidar obsedados, em nome
de Jesus, porque não pertencia ao círculo do Nazareno.
É Léon Tolstoi que realiza o resgate da personagem, através
da psicografia abençoada de Yvonne Pereira, narrando-nos que, mesmo muito
jovem, aquele personagem era visto a seguir Jesus, onde quer que Ele se
encontrasse.
Moreno, de olhos cinzentos e sonhadores, cabelos negros e
abundantes que iam até à altura do pescoço, barba pequena, negra como a
cabeleira, sempre tratada e limpa, vestia uma túnica de algodão azul escuro,
alpercatas gregas e um manto marrom.
A tiracolo trazia, de um lado, um saco de couro de carneiro
onde guardava, envoltos em retalhos de linho muito alvo, dois roletes de
madeira, espécie de carretéis, um deles sempre suprido com papiros, utilizados
para a escrita pelos intelectuais da época, conforme o uso grego; estiletes,
sais coloridos e uma espécie de flauta, um
pífano. Do outro lado, em outro saco trazia um alaúde.
Ele era visto sempre sozinho. Jamais falava, e difícil seria
dizer de sua nacionalidade. Poderia ser egípcio, não fosse a cor dos olhos.
Talvez fosse mesmo grego, dadas as particularidades dos apetrechos para a
escrita.
Seguindo Jesus, o moço do manto marrom procurava se sentar,
no chão, ou em um banco improvisado com uma pedra, ou na soleira de uma porta e
punha-se a escrever o que ouvia.
À noite, na pensão modesta a que se recolhesse ou no celeiro
de alguma casa particular, ele desenrolava os papiros e, à luz de uma candeia
de azeite, tudo relia. Estudava mesmo, até alta madrugada, fazendo anotações,
comentários em outros retalhos de papiros ou peles de ovelhas, colecionando
tudo caprichosamente. É como se, em sua mente, já se estivesse delineando algo
que surgiria bem mais tarde, o livro.
Muito erudito, escrevia em grego, aramaico ou latim, e por
vezes, compunha versos, acerca do que ouvira e vira, pois mais de uma vez
presenciou as extraordinárias curas realizadas pelo Meigo Rabi.
Ele estava presente, quando o chefe da sinagoga de Cafarnaum
procurou Jesus, suplicando-lhe ir à sua casa, pois sua filha, menina de doze
anos, estava presa de febre violenta.
Assistiu, assim, à cura da mulher portadora de terríveis
hemorragias. Jesus, então empurrado daqui e dali, aproximou-se tanto do jovem,
nessa oportunidade, que o Seu manto lhe roçou o rosto. Emocionado, o moço tomou
da ponta do manto e ali depositou um ósculo de veneração.
O Nazareno voltou-Se, fitou-o em silêncio e pousou, por um
único instante, Sua mão sobre a cabeça do moço, abençoando-o. Os dois olhares
se cruzaram. Nenhuma palavra foi pronunciada.
Logo mais, o alarido festivo anunciava que a filha de Jairo
estava curada. Ali mesmo, o jovem retirou o tubo de estiletes, os carretéis com
os papiros, os sais coloridos e escreveu sobre o que presenciara.
Alguns dias depois, estando em uma praça aguardando a vinda
de Jesus, o moço começou a observar a quase multidão que também ali esperava.
Por onde andariam Jesus e os Apóstolos?
Possivelmente em outra localidade, esparzindo bênçãos. Mas
ali, os doentes começaram a ficar impacientes. Havia gemidos de um lado,
queixas de outro.
Finalmente, em torno do meio-dia, tomado de profunda
compaixão, o moço se levantou da sombra da videira, onde estava assentado,
desde o alvorecer, e aproximou-se de um daqueles endemoninhados em convulsão.
Colocou sua mão sobre a cabeça do pobre homem e exclamou:
Em nome de Jesus Nazareno, o Filho de Deus vivo, retira-te
deste homem e vai em paz!1
O doente ainda rolou pelo chão, gritou roucamente.
Finalmente, surpreso, parecendo acordar de um pesadelo, se ergueu, um tanto
envergonhado, limpou a poeira da túnica e se foi. Estava curado.
O restante daquele dia foi dedicado todo a curas de
obsedados. Parecia ser a especialidade daquele moço. Nos dias seguintes, ele
continuou. Foi então que João, em presenciando a sua tarefa, lhe proíbe de
continuar, visto não pertencer ao grupo
de Jesus, não ser um dos Apóstolos.
Estranhamente, não demorou muito a que o mesmo João
retornasse a ele, desculpando-se humildemente e participando-lhe que
continuasse no seu ministério. O próprio Mestre, informou, o autorizava , mesmo
não gozando ele da intimidade dos verdadeiros discípulos, pois reconhecia nele
um amigo digno de confiança...1
Vieram depois os dias tristes da prisão e morte do Divino
Amigo. Sete dias se tinham passado. O jovem acabara de escrever sobre as
notícias da ressurreição tão falada. Cansado de escrever, de ler e de chorar,
adormeceu e sonhou.
Sonhou que Jesus o visitava em seu pobre albergue, radioso,
e lhe pedia que tratasse de curar também as almas, não somente os corpos, eis
que essas são eternas.
Assim, o moço do manto marrom passou a atrair crianças e
jovens para perto de si, através da música. Tocava melodias doces em sua flauta
e, quando se via rodeado, dizia que se sentassem, porque ele tinha histórias
muito lindas para contar. Histórias de um Príncipe que descera dos Céus.
E ele narrava o que vira e ouvira. Depois declamava ou
cantava seus versos, que falavam das verdades eternas, revelando-se emérito
professor e educador.
Durante o dia trabalhava remendando mantos e túnicas,
carregando água e cestos de compras,
levando camelos e cavalos de estrangeiros a beberem e para serem
lavados. Pela manhã e ao cair do crepúsculo, dava suas aulas.
Aos discípulos interessados presenteava uma cópia das suas
anotações sobre o Nazareno e Sua Boa Nova.
Quando reconhecia que seus ouvintes haviam assimilado as
lições, partia para outras terras. Na sua velhice, foi visto na cidade dos
Césares, ainda de olhos sonhadores, tocando velhas melodias em seu pífano, ou
recitando e cantando lindos poemas ao som de seu alaúde. Poemas que falavam de
um Príncipe que abandonara temporariamente as estrelas para ensinar aos homens
a Lei de Amor.
Nunca ninguém lhe registrou o nome. Na juventude,
chamavam-no Moço. Na velhice, Avozinho.
Personagem grandiosa, trabalhador da Seara de Jesus, a ele
se refere o Evangelho com rapidez. No entanto, seu nome está escrito no Livro
dos Céus, pelo desempenho da grande tarefa: amar a Deus, ao próximo e ao
Evangelho do Mestre de Nazaré.
01.PEREIRA, Yvonne A. O discípulo anônimo. In:___.
Ressurreição e vida. 2. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1965. cap. V.
02.SALGADO, Plínio. A planície. In:___. Vida de Jesus. 21.
ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. pt. 4, cap. 49.
FONTE
FEPARANA. Disponível em www.feparana.com.br.
Acesso : 07 JUN 2021.
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