Ser Criança
Marcelo Henrique Pereira
Quão criança você é, ainda, às vezes?
Quanto se permite
fazê-lo?
Descobre-se, encanta-se, sonha e vive?
Por que não?
Envolto em tantas
preocupações e responsabilidades, sitiados ante os deveres do dia-a-dia,
angustiados por atender os compromissos inadiáveis, nem sempre temos tempo e
chance de sermos crianças...
Criança é quem ri de si mesmo, quando percebe que não sabe
fazer ou comete pequenos equívocos.
Cantarola sua canção preferida, na rua, no
ponto de ônibus, ou, até mesmo, mais reservadamente, no chuveiro, mesmo sabendo
que alguém pode ouvir...
Que senta no chão com seu filho, e age como um menino que se
deslumbra com um brinquedo novo, sem pressa, parecendo que aquele instante não
irá acabar...
Que se apaixona por seus sonhos, tal qual fez um dia, tendo
como fonte de desejo a professora ou a prima mais velha, que nem se davam conta
que você existia.
Porque, o importante, naqueles tempos, era ficar perto dela
um pouco, tal qual fazemos, hoje, em relação ao que gostaríamos fosse verdade.
Que se imagina capaz de resolver os problemas cotidianos,
aqueles que ficam em nossa mente até a hora de dormir, do mesmo modo que nos
víamos como super-heróis, mocinhos ou bandidos, indestrutíveis e poderosos, nas
brincadeiras e fantasias.
Que, hoje, toma banho de chuva, por descuido, em razão de
ter esquecido o guarda-chuva, mas não se zanga, por lembrar que, na infância,
mesmo com a bronca dos pais, dava um jeitinho de tomar chuva pra se
refrescar...
Que procura amigos sinceros entre os circunstantes, e, às vezes,
só tem colegas ou conhecidos, porque se descobre fechado em si mesmo, com medo
de tudo e de todos, quando, em tempos infantis, era tão fácil fazer (e manter)
amigos...
Que precisa de proteção, de segurança, mas age timidamente,
com medo da reação dos outros, que o esperam e consideram forte e capaz, quando
a vontade era ter, de novo, o colo e o ombro de pai e mãe para consolá-lo...
Que acorda tarde, perde a hora, e se enfurece ao não poder
atender o compromisso, mas logo esquece, pois sabe que haverá outras manhãs, e
outras chances, tal qual no tempo em que descobria que a derrota no futebol ou
a nota baixa seriam recuperadas, logo à frente.
Ou que sente a presença dos bons amigos espirituais, nas
horas de desespero ou necessidade, do mesmo modo em que conversava com seres
imateriais, que lhe pareciam reais, embora ninguém – além de você – os visse.
Continuamos sendo crianças, em Espírito, porque ainda tão
pouco sabemos das verdadeiras Leis da Vida, o que não nos impede, todavia, de
caminhar e experimentar.
E, a cada descoberta ou ventura, tal qual a criança
que se maravilhava com o desconhecido e o sobrenatural – porque tudo, naquele
tempo, era superior à sua natureza infante –, nos sentimos, hoje, bem e
satisfeitos, somente por viver, o que já nos basta.
Deixamos, então, de ser
pessimistas ou excessivamente cautelosos.
A vida, assim, volta a ter tons multicores, sons harmoniosos
e traços mágicos.
Deixemos, então, que nosso lado criança fale por si mesmo...
FONTE:
PEREIRA, Marcelo Henrique. O Consolador.
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