A bênção da gratidão
Joanna de Ângelis
Entre os sentimentos nobres que
caracterizam o ser psicológico maduro, a gratidão destaca-se como um dos mais
relevantes.
A vida, em si mesma, é um hino de
louvor à Vida, portanto, de gratidão incontida.
Vida, porém, é vibração de harmonia
presente em todo o Universo.
Limitada nas diversas expressões
pelas quais se manifesta, é um desafio em constante desdobramento na busca de
significado.
Quando o processo de crescimento
emocional liberta o Espírito da sombra em que se aturde, nele se apresenta a
luz da verdade, que é o discernimento em torno dos valores significativos que o
integram no concerto harmônico do Cosmo.
Buscando a perfeita identidade, na
fusão equilibrada do eixo ego/Self, dá-se conta que viver é experienciar
gratidão por tudo quanto lhe sucede e tem oportunidade de vivenciar.
A gratidão, dessa maneira, é a força
que logra desintegrar os aranzéis da degradação do sentido existencial.
Filha da maturidade alcançada
mediante a razão, sobrepõe-se ao instinto, é conquista de elevada magnitude
pelo propiciar de equilíbrio que faculta àquele que a sabe ofertar.
Comumente, na imaturidade emocional,
acredita-se que a gratidão é uma retribuição pelo bem ou pelos favores que se
recebem, consistindo em uma forma de devolução, pelo menos em parte.
Inegavelmente, quando se devolve algo dos recursos recebidos, que têm
significados saudáveis, opera-se no campo do reconhecimento.
No entanto,
trata-se de uma convenção, efeito do jogo mercadológico da oferta e da procura
ou vice-versa.
O instinto de
preservação da existência, trabalhando em favor dos interesses imediatistas,
age, não poucas vezes, utilizando-se de ações retributivas, especialmente
quando estimulado ao prazer.
A gratidão é um
sentimento mais profundo e significativo, porque não se limita apenas ao ato da
recompensa habitual.
É mais grandioso, porque traz satisfação e tem caráter
psicoterapêutico.
Todo aquele que é
grato, que compreende o significado da gratidão real, goza de saúde física,
emocional e psíquica, porque sente alegria de viver, compartilha de todas as
coisas, é membro atuante na organização social, é criativo e jubiloso.
Predomina, porém,
nas massas, que infelizmente diluem a identidade do indivíduo, confundindo os
valores éticos e comportamentais, a ingratidão, filha inditosa da soberba,
quando não do orgulho ou da prepotência, esses remanescentes do instinto,
transformados em sombra perturbadora.
Em consequência, vivem em inquietação,
perturbam-se e desequilibram os demais, cultivando as enfermidades parasitas da
agressividade, da violência ou da autocompaixão, entregando-se aos conflitos e
realizando mecanismos de transferência de responsabilidades.
Impossibilitados
de compreender a finalidade existencial, a busca de um sentido para a
autorrealização, fazem-se omissos, até mesmo no que diz respeito aos seus
insucessos, entregando-se a condutas esdrúxulas que pensam poder escamotear os
conflitos que os assinalam.
Essa estranha
conduta é responsável por alguns mitos que remanescem no inconsciente, e esses
arquétipos desculpistas constituem-lhes recursos de auto apaziguamento, dessa
forma tentando conciliar a consciência que exige lucidez com o ego que prefere
a ilusão.
O Self imaturo
sofre o efeito do ego dominador e atribui-se méritos que não possui,
acreditando-se credor de todas as benesses que lhe são concedidas, sempre
anelando por mais recursos que lamentavelmente não o plenificam.
Nesse estágio,
haure bens que não sabe usar, e amontoam-se em armários ou em bancos,
acumulando presunção e despotismo, sem se integrar no conjunto social em que se
movimenta.
E quando o faz, destaca-se pelo orgulho e pelo falso poder externo,
compensando as angústias internas com a bajulação e o aplauso dos outros, que
se transformam em estímulo para exibir as qualidades que gostaria de possuir.
Aspira sempre por
ter mais, sem a preocupação de ser melhor.
Busca ser
respeitado, o que equivale a dizer temido, antes que ser amado, pela
dificuldade que tem de amar, o que lhe propicia insegurança e mal-estar
disfarçados com os vícios sociais, tais o álcool, as drogas da moda, o tabaco,
o sexo apressado e destituído de sentimento emocional compensatório.
Recolhe onde não
semeou, por acreditar-se possuidor de direitos que lhe não cabem, impedindo-se
o dever de repartir solidariedade e harmonia.
Assume postura
agressivo-defensiva, de modo que amealhe sem oferecer, descobrindo inimigos
onde existem apenas desconhecidos que não foram conquistados e simpatizantes
que não foram atraídos ao seu fechado círculo de egoísmo.
Permanece armado, em
vigília contínua, em vez de amando em todas as circunstâncias, ante a
irradiação de desequilíbrio que é o seu estado interno.
Introverte-se,
quando deveria espraiar-se como as águas generosas do regato, diluindo as
fixações que o retêm na infância da evolução antropológica...
O sentido
existencial é de conquistas internas, aplicadas em favor da gratificação.
À medida que se
recebe, doa-se, e, na razão direta em que se é aceito e querido, mais ama e
melhor agradece.
A gratidão é uma
bênção de valor desconhecido, porque sempre tem sido considerada na sua forma
simplista e primária, sem o conteúdo psicoterapêutico de que se reveste.
Quando se reflexiona
em torno da gratidão, quase imediatamente se pensa em devolver parte do que foi
recebido, o que a torna insignificante e destituída de valor.
Permanece aí a visão
material imediatista, sem os conteúdos psicológicos renovadores.
Quando observamos uma rosa exteriorizando perfume carreado
pela brisa, deparamo-nos com a gratidão do vegetal que transformou húmus e água
em aroma delicado.
De igual maneira, o
Sol, que responde pela preservação do milagre da vida em múltiplas
manifestações, oscula o charco sem assimilar-lhe os odores pútridos e acaricia
as pétalas das flores sem tomar-lhes o aroma agradável.
Essa é a sua forma de
agradecer a própria finalidade para a qual foi criado...
Quando o Espírito
alcança o objetivo do seu significado imortal e entende-o com discernimento
lúcido, abençoa tudo e todos, agradecendo-lhes a oportunidade por fazer parte
do seu conglomerado.
A gratidão deve ser
um estado interior que se agiganta e mimetiza com as dádivas da alegria e da
paz.
Por essa razão,
aquele que agradece com um sorriso ou uma palavra, com uma expressão facial em
silêncio ou numa canção oracional, com o bem que esparze, é sempre feliz,
vivendo pleno.
Entretanto, aquele que sempre espera receber, que faz e anela
pela resposta gratulatória, que se movimenta e realiza atos nobres, mas conta
com o alheio reconhecimento, imaturo, negocia, permanecendo instável,
neurastênico, em inquietação.
Quando se é grato,
nunca se experimenta nenhum tipo de decepção ou queixa, porque nada espera em
resposta ao que realiza.
A busca,
portanto, da autorrealização é alcançada a partir do momento em que a gratidão
exerce o seu predomínio no Self, sem nenhuma sombra perturbadora,
constituindo-se uma sublime bênção de Deus.
FRANCO, Divaldo Pereira pelo Espírito
Joanna de Ângelis . Psicologia da Gratidão. 3° ed. Salvador: LEAL, 2014.
(Série Psicológica - Especial, volume 16) 240 p, p. 9-12.
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