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quinta-feira, julho 17, 2025

Há Um Século - Hilário Silva



Há Um Século

Hilário Silva

 

Cap. XXV – Item 2

I

Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, naquela triste manhã de abril de 1860, estava exausto, acabrunhado.


Fazia frio.


Muito embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para a obra gigantesca que os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos.


A pressão aumentava...


Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa.


Quando mais desalentado se mostrava, chega a paciente esposa, Madame Rivail – a doce Gaby –, a entregar-lhe certa encomenda, cuidadosamente apresentada.


II


O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta singela.


E leu:


“Sr. Allan Kardec:


Respeitoso abraço.


Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso.


Sou encadernador desde a meninice, trabalhando em grande casa desta capital. 


Há cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou minha companheira ideal. 


Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia.


Meu desespero foi indescritível e julguei-me condenado ao desamparo extremo. 


Sem confiança em Deus, sentindo as necessidades do homem do mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o caminho de tantos outros, ante a fatalidade...


A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de trapo humano. Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me com a dispensa.


Minhas forças fugiam.


Namorara diversas vezes o Sena e acabei planeando o suicídio.


“Seria fácil, não sei nadar” – pensava.


Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia. 


Em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me dominaram mais fortemente, busquei a Ponte Marie. 


Olhei em torno, contemplando a corrente... 


E, ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto algo molhado que se deslocou da amurada, caindo-me aos pés.


Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera. 


Tomei o volume nas mãos e, procurando a luz mortiça de poste vizinho, pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso:


“Esta obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito. – A. Laurent.”


Estupefato, li a obra O LIVRO DOS ESPÍRITOS, ao qual acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às suas mãos abnegadas, autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver.”


Ainda constavam da mensagem agradecimentos finais, a assinatura, a data e o endereço do remetente.


O Codificador desempacotou, então, um exemplar de O LIVRO DOS ESPÍRITOS ricamente encadernado, em cuja capa viu as iniciais do seu pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não somente a observação a que o missivista se referira, mas também outra, em letra firme:


“Salvou-me também. 


Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação. – Joseph Perrier.”


III


Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail experimentou nova luz a banhá-lo por dentro...


Conchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em termos de desânimo ou sofrimento, mas sim na pauta de radiosa esperança.


Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas...


Diante de seu espírito turbilhonava o mundo necessitado de renovação e consolo.


Allan Kardec levantou-se da velha poltrona, abriu a janela à sua frente, contemplando a via pública, onde passavam operários e mulheres do povo, crianças e velhinhos...


O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos haustos e, antes de retomar a caneta para o serviço costumeiro, levou o lenço aos olhos e limpou uma lágrima...


XAVIER, Francisco Cândido; Waldo Vieira Por Espíritos Diversos. Espírito da verdade, cap 52. Allan Kardec e O Livro dos Espíritos:  Ilustração Reproduzida da Internet. 


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